Nunca atribuí muita importância para as festas de Natal e Ano Novo. Não que não entenda o sentido e a importância da festa natalina e que não me alegre com o recomeçar da vida após um ano em que todas as "promessas" não foram cumpridas.
A questão é que sempre entendi estas datas como comerciais demais. Nunca acreditei em Papai Noel. Crente não acredita num bom velhinho. Acredita em Jesus e seu nascimento em Belém. Esta forma de enxergar o Natal garante a total imcompreensão com os shoppings lotados e as inúmeras propagandas na TV e com a falta de intimidade com o famigerado HO, HO, HO.
A questão é que estas festas sempre estão presentes. Fazem parte do calendário cristão mundial, então não há como fugir delas.
Tentei um caminho inverso, a saber, compreender qual a importância destas datas.
É claro que não vou falar do óbvio aqui. Não vou falar que o Natal é o nascimento do salvador da humanidade. Este conceito já é marretado nas cabeças das crianças à exaustão.
Do Natal, nada falarei.
Das festividades de Ano Novo, destas falarei.
O que se faz para comemorar a passagem de um ano para o outro? Se reune com a família, com os amigos, faz-se um banquete, veste-se de branco ou com roupas novas...há a contagem regressiva, os fogos de artifício, as saudações ao santos, as orações às divindades...e muitas outras formas de comemorar esta passagem de um ano para outro.
Pergunto: O que de fato muda com a passagem de 2009 para 2010 ou de 1900 para 1901?
Sabe qual a resposta? Nada. Absolutamente nada muda. Ok, ok...algum mais espertinho quererá dizer que mudam os calendários...
Mas e a vida? A vida não muda. As escolhas (promessas de ano novo) feitas nesta época do ano teriam a mesma validade ou importância se feitas na metade do ano passado ou na metade do ano novo. Correto?
Não. As escolhas não teriam a mesma validade e importância e por uma razão simples. Elas são escolhas de um indivíduo em um determinado momento. Se o momento não favorece a escolha, ela não será significativa. Quem atribui significado às datas são as pessoas.
Se uma pessoa não se importa com o Natal o que se pode dizer da importância do Natal? Nada. Falemos de como os Judeus comemoram o Natal?
Pode-se apresentar argumentos, mas o significado está na pessoa. Qual o significado que o Hanukká tem para mim por exemplo? Eu o compreendo e é muito interessante. Mas daí a comemorá-lo...
Se o significado está na pessoa e não na data em si, então cada pessoa tem um significado para o seu Ano Novo.
Meu pai acredita e disse isso no culto realizado no dia 31, que é a data representativa da esperança em Deus.
Minha mãe acredita que é a data que representa as bençãos de Deus.
Não sei no que minha irmã acredita. Sei que ela gosta.
E no que eu acredito? Eu vou até os antigos e me sinto em casa. Mais ou menos. Gosto da interpretação deles.
Pois bem, qual é a interpretação dos antigos?
Quando falo dos antigos, falo dos egípcios.
Os egípcios ou aqueles que habitavam a região onde hoje é o Egito, viviam em função do Rio Nilo.
Quando o fluxo do Nilo era normal a vida brotava em todas as regiões próximas. O Nilo trazia a abundância de alimento. Os animais chegavam à região. As pessoas podiam plantar e criar animais.
Quando havia a seca do Nilo a vegetação morria, os animais fugiam ou morriam, as pessoas passavam fome, adoeciam e morriam.
Quando havia a cheia do Nilo as águas, símbolo do caos, destruíam tudo à volta. A plantação, as moradias, os animais, a vegetação e trazia também as grandes feras do Nilo. Era o caos.
Com o tempo e com a observação do cotidiano, as pessoas puderam decifrar as épocas do Nilo. E o calendário foi formado de acordo com a época de cheia do Nilo.
Com mais tempo e, são centenas e centenas de anos, as pessoas puderam aprender como domar, na medida do possível, as enchentes do Nilo.
O calendário ficou preciso.
Mas antes de aprenderem como conter as forças do poderoso deus egípcio, embora naquela época ainda não fosse um deus como hoje se entende, o momento em que o Rio Nilo secava e a vida parecia acabar era entendido como o fim do mundo.
Os habitantes da região acreditavam que o mundo ordenado estava desmoronando. Que a vida estava cessando e que era necessário fazer algo para reverter este desastre. Provavelmente os deuses estavam enfurecidos por alguma razão. E o deus Nilo estava se retirando do meio deles.
E o que fazer quando o mundo parece acabar?
Agradar os deuses e implorar misericórdia. Para tanto, a melhor maneira seria trazer ofertas para os deuses. Ofertas a serem colocadas no Nilo seco ou para formarem um grande banquete com todos os habitantes presentes. Misericórdia a ser implorada por todos que lembram os grandes benefícios dados ao longo de todo o tempo em que o Nilo estava ótimo.
É interessante que estes festivais religiosos aconteciam quando a época de retorno do Nilo estava próxima.
Eles acreditavam que ao realizar a cerimônia o mundo era ordenado novamente. E que não mais acabaria e realmente não acabava. Eles reiniciavam o mundo a cada ano.
Hoje se não fizermos um banquete o mundo não acabará. Se não houver fogos de artífico na Praia de Copacabana o mundo não acabará. Se não estivermos vestidos de branco o mundo não acabará. Se não saudarmos os santos e as divindades (atrevo-me a dizer) o mundo não acabará.
A questão é que o mundo e a vida permanecem. Continuam. Independentemente do que fizermos. Podemos tentar melhorar as condições, prolongar o tempo até, mas nenhum de nossos rituais têm o mesmo significado que os antigos entendiam como verdade absoluta.
E qual o significado de nossos rituais hoje?
Eu entendo que estamos fazendo exatamente a mesma coisa que os antigos. Estamos reiniciando o mundo. Não o planeta ou a região em que vivemos.
Reiniciamos o pequeno mundo em que vivemos. O mundo das relações. O mundo das relações com os amigos que se reúnem nesta época. O mundo das relações com os familiares que se reúnem nesta época. O mundo das relações com pessoas das quais lembramos e às quais enviamos cartões coloridos com desejos de felicidades.
É este mundo de relações que é reiniciado quando viajamos para estar com pessoas queridas. Quando afirmamos que é preciso estar com estas pessoas no começo do ano para celebrar as conquistas do ano anterior e compartilhar os desejos futuros.
Não tenho absolutamente nada contra aquelas pessoas que vão às praias super lotadas e ficam na companhia de pessoas que não conhecem. Acredito que estas pessoas estão iniciando um mundo com estas pessoas. Mas esta é uma visão bem otimista. A verdade é que muitos estão embriagados a ponto de não se lembrarem do que fizeram ou de com quem estavam. Com relação a estes eu me pergunto:
Que mundo eles iniciam ou reiniciam?
Qual é o significado das comemorações para estas pessoas? Acredito que elas apenas aceitam os significados passados como certos.
Por que comemorar algo se não entendo o significado? E por que tentar beber ao ponto de não me lembrar do que aconteceu no dia da comemoração?
Conversei com um colega no dia 30. Ele iria à praia. Ele também encheria o carro de gelo e cerveja. E comemoraria. Algum problema com isso? Nenhum.
Eu prefiro entender e comemorar ou não o reinício de alguns mundos, mas eu não sou exemplo para ninguém.