segunda-feira, 12 de outubro de 2009

075. Diálogo Religioso III

Continuação das postagens 072 e 074:


A missa

A missa observada iniciou-se às 18h00min do dia 11/06/2009. As portas da igreja foram abertas trinta minutos antes da missa começar. Pouquíssimas pessoas chegam com antecedência. Algumas chegam e vão até as imagens dos santos espalhadas pelas paredes, outras vão até o “Santíssimo”, em comum entre elas há que, uma vez diante das imagens, levam às mãos ao coração e fazem suas rezas, outras parecem conversar com a imagem. Algumas vão da imagem de algum santo até o “Santíssimo” e depois se sentam para esperar o início da missa.

Há um grupo de jovens posicionados ao lado esquerdo da igreja que ensaiam algumas músicas. São cinco jovens, sendo duas mulheres e três homens. Um dos homens toca teclado e o outro toca violão. Os instrumentos estão plugados em caixas de som e há microfones para todos. Eles trazem os instrumentos e os montam pelo menos uma hora antes da missa. O contato inicial com a comunidade se deu através de um dos jovens que permitiu o acesso do autor e facilitou a movimentação pela igreja, além do acesso ao grupo de que faz parte, denominado “Comunidade Católica Filhos da Redenção” (CCFR).

Num encontro posterior com o grupo foi possível descobrir através da aplicação de um questionário que os jovens que ensaiavam são membros de famílias de classe B[i], como a maioria dos moradores do bairro, e universitários ou com ensino superior completo.

Quando restam somente dez minutos para o início da missa há uma entrada maior de pessoas e em poucos minutos a igreja está quase lotada. É possível contar apenas dez espaços disponíveis para acomodação.

Há uma preponderância de pessoas na faixa etária entre 35-60 anos, mas há também uma grande quantidade de adolescentes e jovens, talvez mais de cinquenta presentes. Os idosos são o menor número e a maior parte está acompanhada, possivelmente por parentes. Há homens e mulheres em quantidades praticamente iguais. As pessoas estão vestidas de forma simples, mas composta. Uma minoria traja bermudas e chinelos. Os jovens, no entanto estão mais engalanados e perfumados, não sendo possível estar diante de um deles sem se perguntar por que destoam dos demais presentes. Em um encontro posterior um membro da igreja explicou que é comum que os jovens façam da igreja um ponto de encontro daqueles com mais afinidades, o que está de acordo com a tese de Durkheim de que, sejam “negativas, positivas ou piaculares, as manifestações rituais rompem com o ramerrame do quotidiano...têm como efeito reforçar os sentimentos de pertença coletiva ou dependência de uma ordem moral superior que salvam os indivíduos do caos e da desordem” (SEGALEN, 2002, p.22).

É fácil identificar na igreja algumas separações. Os mais idosos estão nos primeiros ou nos últimos bancos enquanto a ala central é ocupada por adultos. No lado esquerdo há um predomínio dos jovens e alguns pegam bancos de plástico quando os bancos de madeira estão totalmente ocupados. Outros ficam de pé, mas permanecem todos juntos.

A missa começa pontualmente às 18h00min com as badaladas do sino. O padre entra pela lateral e junto dele um grupo de jovens uniformizado com calça e camisas brancas. O padre é um senhor negro com cerca de 1,60 m de altura vestindo uma batina branca com ornatos dourados. Posteriormente o autor é avisado de que existem três padres na igreja. O Pe. Contini, que é o principal, e os párocos Pe. Boaventura e Pe. Jurandir que é quem oficializou a missa no dia da visita. Cada um deles tem atribuições diferentes. O Pe. Contini é o administrador da igreja, enquanto o Pe. Boaventura cuida dos casais e dos idosos e o Pe. Jurandir cuida da juventude.

Uma mulher[ii] do grupo que entrou com o padre se dirige até um microfone do lado direito e começa a leitura de uma parte do folheto que estava no vestíbulo. Após a leitura, o grupo que atua na música entoa uma canção branda que não está no folheto. Começam assim os “Ritos Iniciais” de acordo com o folheto. Percebe-se que é uma música conhecida da assembléia,[iii] pois a maioria canta junto com grupo. O tempo de duração da música é curto e o modo de cantar é muito diferente do que é visto nas igrejas protestantes. A música é apenas um complemento da missa e o grupo responsável por sua execução apenas atua na missa sem qualquer ideia de “participação especial”. Um dos membros do grupo afirmou posteriormente que de modo algum eles poderiam dizer que se “apresentam” numa missa, pois isso seria inaceitável, assim, de acordo com a obra de Van Gennep, pode-se dizer que um grupo que participasse de uma missa apresentando músicas extravagantes ou comportamentos excêntricos não seria coeso ao grupo uma vez que a “participação nos rituais se torna um guia para avaliar o grau de integração à comunidade” (SEGALEN, 2002, p.46).

Após a música, há um momento de saudações entre o padre e a assembléia, quando são repetidas exatamente as palavras constantes no folheto. Após, há um novo cântico que também não está no folheto. Sua duração é de apenas duas frases. Em seguida há o “Ato Penitencial” em que o padre e a assembléia pedem perdão a Deus. A assembléia apenas repete uma frase que começa por Cristo ou Senhor e que termina como “tende piedade de nós”. Em seguida há um hino de louvor que não é cantando, mas lido. É iniciado pelo padre e continuado por todos. É um hino que engrandece a Deus e a Jesus Cristo e que pede piedade e acolhimento da súplica dirigida. Após há uma oração lida pelo padre que consiste no pedido a Deus de uma permissão para venerar o sacramento e colher os frutos da redenção em Jesus Cristo. Após a leitura do padre há um “Amém” de todos e de acordo com o folheto tem início a “Liturgia da Palavra” com a fala da Comentarista.

Esta parte da missa é composta por várias leituras realizadas individualmente por alguns jovens do grupo que entraram com o padre. Após cadê leitura todos dizem “Graças a Deus.” em uníssono.

A primeira leitura é feita por um jovem que sem esconder o nervosismo, lê o texto de Êxodo capítulo 24, 3-8. Em seguida há uma música que não consta do folheto e que é repetida mais de quatro vezes. A assembléia canta em conjunto com o grupo. Após este cântico há a segunda leitura, feita por uma jovem que lê pausadamente o texto de Hebreus capítulo 9,11-15. Logo depois a Comentarista informa à assembléia que lerá os números impares e que a assembléia lerá os números pares da “Sequência”, que é um texto divido em vinte e quatro partes. Não há um convite à participação. Todos participam como se tivessem ensaiado antes. O texto é uma exaltação à eucaristia ao mesmo tempo em que explica o que é o pão e vinho, sua instituição por Cristo e sua importância. Num encontro posterior um componente da CCFR assevera que o texto é de autoria de São Tomás de Aquino.

Após a leitura da “Sequência” todos se levantam e há um novo cântico, um pouco mais agitado e que leva alguns jovens a iniciarem tímidas palmas que não são acompanhadas pela maioria da assembléia, mas que não recebem desaprovação pública do padre ou das pessoas ao redor. Em seguida é lido o texto de Marcos capítulo 14,12-16 e 22-26 pelo padre. A assembléia apõe a frase “Glória a vós, Senhor.” quando o padre termina de ler o texto.

Todos se sentam e o padre inicia a homilia. Em sua fala, o padre explica a origem da eucaristia, a importância do Jesus eucarístico, qual era o objetivo quando foi criada a missa de Corpus Christi e assevera que o próprio Jesus instituiu a “Santa Eucaristia” na quinta feira considerada santa e que a Igreja Católica celebra a instituição da Santa Ceia por Jesus. O padre ainda explica à assembléia que não se devem adorar aos santos, mas apenas a Jesus, pois este “é Deus, é para ser adorado”, enquanto aos santos deve ser destinada apenas a devoção. O padre descreve ainda que algumas pessoas dizem que os católicos adoram os santos, conquanto o que acontece é a veneração dos santos. Ele ainda critica as pessoas que vão diretamente aos santos para beijá-los, quando deveriam ir primeiro ao “Santíssimo” e que nem mesmo “rezar três mil Pais-nossos ou mil Ave-Marias” adiantam se o indivíduo “não for devoto a Eucaristia”. Ele ainda afirma o poder da Eucaristia para perdoar os pecados, desde que sejam “pecadinhos...danadinhos de estimação”, mas alerta que se for um “pecado cabeludo” apenas através do ato de se confessar.

Enquanto o padre fala a maioria dos adultos e idosos permanece em silêncio, mas alguns aparentemente abaixo dos trinta anos se entreolham, conversam, acenam uns para os outros e a maioria dos jovens do lado esquerdo conversa por muito tempo. Um casal de namorados sentados pouco à frente do autor conversa até metade da homilia.

Quando o padre encerra sua homilia, dá-se início à “Profissão de Fé”, quando todos se levantam e recitam o Credo Apostólico impresso no folheto. Logo depois há um momento de preces pela comunidade quando são lidas partes de um texto pelo padre, pela assembléia e pela comentarista. São preces pedindo a comunhão com Cristo através da eucaristia e que seja sempre realizada com amor e comunhão entre os irmãos. Pede ainda pelas crianças que se preparam para participar pela primeira vez, embora não houvesse nenhuma criança participando no dia da visita, pede também pelo trabalho dos catequistas e pelas comunidades que enfrentam dificuldades devido a perseguições e termina com um pedido de proteção à Igreja. Neste momento é cantado pela assembléia um “Amém”.

Segue-se para a “Liturgia Eucarística” com um canto que não consta no folheto e neste momento duas senhoras passam pela assembléia com duas cestas vermelhas recolhendo doações durante o cântico. São várias contribuições deitadas nas cestas, mas não refletem a quantidade de pessoas presentes. Após este momento todos ficam de pé e oram pedindo a Deus que receba o sacrifício realizado. Depois há uma oração lida pelo padre e segue-se para uma leitura entre o padre e a assembléia. O escrito afirma a presença de Jesus no local e reconhece a eucaristia como um dever “justo e necessário”. Esta leitura termina com a música “Santo, Santo, Santo” sendo entoada pelo grupo musical e seguida por todos.

Logo após é feita a leitura da “Oração Eucarística” que é um discurso de louvor a Deus com partes do texto referente à Santa Ceia e a explanação da importância da eucaristia como memorial de Cristo e modo do fiel se fazer um com Cristo no corpo e espírito ao ingerir dos elementos eucarísticos que são transubstanciados no corpo e divindade do próprio Jesus. A leitura termina com mais um “Amém” cantado.

O que acontece a seguir é espantoso. Sem que haja qualquer menção ou solicitação, quase todos os presentes se ajoelham e levantam as mãos como esperando receber algo, as únicas exceções são o autor e um homem com a perna recém operada que apesar de estar sentado, ergue suas mãos do mesmo modo. O padre pega a hóstia que tem o formato de um pequeno disco e levanta-a a fim de que todos a contemplem e depois faz o mesmo com um cálice. É o momento de maior silêncio e nada é ouvido na igreja. Não há conversas ou burburinhos, nem acenos ou troca de olhares, estão todos hirtos olhando para a hóstia e para o cálice com vinho. Após alguns instantes de silêncio as pessoas dão-se as mãos e rezam o Pai-nosso depois se sentam e o grupo responsável pela música inicia um novo cântico cuja letra não está impressa no folheto, o que não impede a assembléia de cantar.

Enquanto a música é entoada, o padre e um homem[iv], chamado de Ministro da Eucaristia (M.E.) com vestes sacerdotais se dirigem até a frente das pessoas se posicionando um à esquerda e o outro à direita da assembléia com dois paramentos em que estão as hóstias, dois jovens auxiliam com pequenos pratos para impedirem a possível queda de alguma hóstia ou farelo no chão. As pessoas se levantam e vão até o padre e até o homem para receberem a hóstia. Formam-se grandes filas que tomam os corredores da igreja. O padre e o M.E. pegam as hóstias e levantam diante de cada fiel que se aproxima e perguntam se a pessoa crê que aquele é o corpo de Cristo, dependendo da resposta a hóstia é colocada na boca do fiel. Este momento dura vários minutos e a assembléia permanece cantando. O M.E. que auxilia o padre vai até os jovens que estão com os instrumentos e entrega a hóstia a cada um deles.

Nem todas as pessoas vão à frente para receber os elementos eucarísticos. É certo que a maioria presente participou, mas algumas pessoas permaneceram sentadas.

Em seguida há a leitura da “Antífona da Comunhão” pela Comentarista e um cântico de ação de graças. Enquanto isso o padre e o M.E. cobrem os elementos restantes com toalhas brancas e depois o M.E. retira os elementos levando-os até o “Santíssimo”. O padre solve o conteúdo do cálice e, com um pano branco, seca o seu interior para em seguida entregá-lo a uma jovem que sai com o cálice pela lateral esquerda. O padre fecha um grande livro onde estavam os textos que leu durante a missa e depois da leitura da “Vivência” pela Comentarista, o padre profere uma benção final para a assembléia. Por fim, o padre e o M.E. saúdam a imagem frontal do Cristo no grande painel, erguem suas mãos e fazem o sinal da cruz. O grupo de jovens que os acompanhou durante a missa se levanta e sai com o M.E. e o padre então se retira. Neste momento as luzes começam a serem apagadas e a maioria das pessoas se retira da igreja enquanto umas poucas permanecem conversando do lado de fora.



[i] Foi utilizado o critério “Abipeme” desenvolvido pela Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado e atualizado pela Marplan Brasil e LPM/Burke. De acordo com este critério é possível atribuir uma classificação socioeconômica à população através da análise de alguns itens de conforto no lar (máquina de lavar roupa, geladeira com ou sem freezer acoplado e aspirador de pó) ou de outros itens como automóvel, rádio, TV em cores, banheiro e empregada mensalista. Os itens recebem pontuações que podem variar de acordo com a quantidade de unidades possuídas. A instrução do chefe da família recebe uma pontuação segundo o grau de escolaridade. Por meio da análise destes dados é possível separar a população em cinco classes, denominadas A, B, C, D e E.

[ii] Esta mulher é chamada de “Comentarista”. Trata-se de uma pessoa convidada pelo padre para acompanhá-lo durante as missas realizando as leituras constantes no programa.

[iii] Enquanto os protestantes denominam “congregação” ao conjunto de religiosos pertencentes à mesma ordem, a igreja visitada se refere a este conjunto como “assembléia”. Considera-se necessário enfatizar esta diferença, pois os protestantes utilizam o termo “assembléia” ao se referiram ao mesmo conjunto só que em uma situação de reunião para um determinado fim burocrático.

[iv] O homem que auxiliou o padre se chama José Carlos e é um “Ministro da Eucaristia”, uma pessoa escolhida pelo padre para levar a Eucaristia a pessoas enfermas. É um cargo que exige a participação preliminar em um curso com aproximadamente dois dias de duração e a ordenação através da imposição de mãos.

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