segunda-feira, 12 de outubro de 2009

074. Diálogo Religioso II

Continuação da postagem 072.

Nome da instituição

Igreja Divino Salvador. Pertencente à Ordem dos Salvatorianos.

Localização

Rua Divino Salvador, 153 - Piedade, Rio de Janeiro, RJ. CEP: 20756-210

Descrição do local

A igreja visitada está localizada perto de uma das maiores avenidas do município do Rio de Janeiro, a Avenida Dom Helder Câmara, mais conhecida pelo antigo nome, Avenida Suburbana, que liga onze bairros da Zona Norte do RJ.

Há duas favelas próximas à igreja, a saber, o Morro da Caixa D’água e o Morro do Urubu e embora o clima de insegurança presente na maioria das favelas cariocas seja constantemente apresentado pela mídia, um membro da igreja, que acompanha o autor durante a visita, afirma que a comunidade eclesial nunca teve problemas com violência no local a não ser um pequeno susto com uma bala perdida que quebrou um vidro da casa paroquial.

O transporte público é de fácil acesso e alguns ônibus circulam em frente à igreja. O bairro em que está localizada a igreja tem o terreno ondulado e acidentado, sua formação é de tal forma irregular que as ruas não estão no mesmo nível. A igreja está no ponto mais alto da rua.

É um bairro heterogêneo com um comércio popular muito movimentado que acompanha a avenida principal enquanto as ruas ligadas à avenida são estritamente residenciais. Há um grande supermercado na esquina da Rua Divino Salvador, que garante um fluxo intenso de pessoas no local. É um bairro de classe média e classe média baixa. As residências são juntas umas das outras e compartilham de um só muro entre elas. A maioria das casas tem dois ou três andares e garagem. É possível ver vizinhas conversando às portas de suas casas, enquanto meninos jogam futebol na rua.

Existem mais de dez igrejas de diferentes denominações num raio de um km da igreja visitada, incluindo outra católica e a conhecida Catedral Mundial da Fé - Templo Maior, da Igreja Universal do Reino de Deus e várias Casas de Umbanda, geralmente com a inscrição “Casa de Caridade” escrita no muro ou na porta.

A elevação do terreno em que foi construída a igreja implica ser necessário subir uma pequena ladeira de aproximadamente dez metros. Esta ladeira serve como muro para a igreja que guarda o acesso por meio de dois grandes portões de ferro localizados nas laterais da ladeira, nas três visitas realizadas à localidade os portões sempre estiveram abertos. A entrada de veículos acontece pela direita da igreja e a saída pela esquerda, seguindo o curso do trânsito da rua.

Ao chegar ao cume da ladeira é possível ver as ruas próximas e observar as casas, o trânsito dos veículos e a movimentação das pessoas nas circunvizinhanças, mas é quase impossível empregar tempo na observação das peculiaridades do bairro, pois a igreja[i] é portentosa e causa um impacto visual nos visitantes.

O terreno da igreja é imenso. Há a igreja, duas casas paroquiais, sendo a antiga destinada à utilização da comunidade em seus mais diversos grupos e um mosteiro, a própria colina serve como estacionamento. Na colina há ainda um pequeno compartimento para que os fiéis acendam velas e façam suas rezas. Na frente da igreja há seis palmeiras imperiais[ii] que contribuem para o deslumbre dos visitantes. A igreja tem um estilo gótico. De sua base até o alto da torre onde há quatro relógios e um sino, sua altura deve ultrapassar vinte metros. É construída de pedras marrons escuras. Não há cor do lado de fora a não ser quando os quarenta refletores de luz amarela são ligados e provocam um espetáculo de luz e sombra pulcro na noite do bairro.

Há um pequeno espaço em frente a igreja, feito de pedras verdes, com um busto do padre Francisco Maria da Cruz Jordan, sendo mais conhecido por seu nome de batismo, João Batista Jordan, fundador da Ordem dos Salvatorianos[iii]. No pilar em que está o busto do Pe. Jordan está gravada sua data e local de nascimento, sendo 16/07/1848 em Gurtweil, Alemanha e sua data e local de falecimento, sendo 08/09/1918 em Tafers, Suíça.

Há na frente da igreja, acima de sua entrada principal, uma imagem no tamanho de um homem comum protegida por vidro representando Jesus Cristo, com uma inscrição em sua base, onde se lê “Jesus. Salvador do Mundo. Ouvi-nos. 1929.”. Esta imagem é iluminada por refletores próprios com uma luz branca que a realçam em comparação com a igreja. De fato, os vitrais são muito escuros quando vistos do lado de fora e apenas sua armação metálica é chamativa. É presumível que tal acondicionamento se dá para que a imagem que representa Jesus Cristo tenha a atenção de todos que olham para a igreja.

A igreja tem uma entrada principal e duas entradas laterais que levam à casa paroquial antiga ou à secretaria e não foram utilizadas pela maioria dos indivíduos quando da entrada à missa no dia da visita.

A entrada central leva a um vestíbulo com uma pequena sala à direita que tem uma grande imagem, protegida por grades, representando Jesus Cristo com uma pequena urna a seus pés. Um membro da igreja me informa que a urna é um sacrário, e explica que é uma caixa em que são guardados os elementos da eucaristia, ou seja, a hóstia, considerada o corpo de Cristo. Ao lado desta sala há uma pequena fonte de cerca de trinta centímetros com água benta. Esta fonte é adornada com imagens de golfinhos. Percebendo a surpresa do visitante diante da presença dos golfinhos, o membro da igreja rapidamente assevera que a fonte adornada gerou reclamações entre os fiéis da igreja.

Ainda no vestíbulo, à esquerda vê-se uma placa com a data de inauguração da igreja em 07/04/1912 e da paróquia em 07/04/1936 e o nome de seu fundador o Pe. Felisberto Schubert - SDS[iv]. Vê-se ainda a entrada para a secretaria e duas pequenas mesas que tem alguns folhetos. Um dos folhetos leva o nome de “A Missa” e tem as etapas da missa a ser celebrada. É um programa com quatro páginas num papel semelhante ao de um jornal. Chama atenção a presença de uma propaganda da rede de supermercados Sendas na parte inferior da terceira página do folheto.

Seguindo em diante o visitante há de ficar encantado com a visão do interior da igreja. O exterior e o interior são profundamente antagônicos. As cores, as imagens, as pinturas são abundantes. Seria necessário muito mais espaço do que o disponível neste modesto trabalho para apresentar a riqueza dos símbolos presentes na igreja, assim, espera-se apenas tentar transmitir com fidelidade ao leitor as particularidades vistas, a fim de que lhe seja possível formar uma ideia do local.

As paredes têm colunas que vão do chão até se encontrarem como arcos no teto. Entre as colunas há vitrais com mais de quatro metros em ambos os lados da igreja. As paredes possuem três cores, sendo azul até um metro de altura, depois branco por mais dois metros e por fim é um laranja-rosado que se assemelha ao tom salmão. Não há imagens ou pinturas na parte azul. Ao redor da igreja e apenas na parte branca das paredes, existem pequenas imagens feitas em madeira que representam cenas da vida de Jesus Cristo. São imagens de cerca de cinqüenta centímetros com várias personagens, como os apóstolos, os soldados romanos e etc. Entre estas imagens há figuras que representam os santos da igreja.

A igreja possui mais de quarenta bancos e que estão alinhados de tal maneira que as pessoas circulem por três corredores, sendo dois laterais e um central. Em cada corredor lateral há um grande confessionário feito de madeira escura e que permite ao fiel permanecer ajoelhado para a confissão sem ser notado por quem passa pelos corredores. Em cada confessionário há um nome de um padre diferente, mas uma mesma inscrição denominada “Ato de Contrição” dos dois lados, a saber, “Meu Deus, tenho muita pena de ter pecado, pois merecí ser castigado, ofendí a Vós, meu Pai, meu Salvador, perdoai-me, Senhor, não quero mais pecar.”.

No dia da visita o corredor central permaneceu interditado, pois esteve ornamentado com um lindo tapete de sal. Havia um aviso no início do corredor que indicava que o tapete tinha sido feito pelas crianças da igreja. O tapete tinha vários desenhos, desde o símbolo da SDS até caricaturas de passagens bíblicas como a crucificação, a arca de Noé, o jardim do Éden entre outras. Este tapete de sal é feito literalmente de sal grosso tingido e de serragem. Alguns membros da igreja foram questionados a respeito da significação do tapete, mas apenas um prestou uma explicação que, segundo ele o tapete faz alusão à entrada de Jesus em Jerusalém antes do sacrifício vicário e que assim como na época bíblica estenderam os ramos de oliveira na passagem, o tapete representa um ornamento do caminho pelo qual Jesus Cristo, representado pelos elementos da eucaristia, atravessaria. Os demais membros disseram apenas que se tratava de uma tradição.

Tudo é muito enfeitado, com vários entalhes e muitas cores e principalmente dourado e existe um sistema de climatização nas laterais e luzes fluorescentes que garantem relativo conforto aos presentes. No entanto, o que mais chama a atenção é que não há um local em que não se veja ao menos uma imagem. Nos cantos laterais é possível enxergar tantas figuras que o visitante fica confuso com tanta informação visual.

Há no lado direito uma grande imagem que representa Jesus Cristo crucificado e há também em sua base outro sacrário que, na concepção católica, contém o corpo de Cristo, chamado de “Santíssimo”. Os fiéis não têm acesso ao ponto de tocarem a imagem, como é possível às demais, este é o segundo “Santíssimo” que foi visto na visita, sendo o primeiro localizado no vestíbulo. Antes de a missa começar, foram vistos vários fiéis que ao entrarem na igreja foram direto ao “Santíssimo” e se ajoelharam ou permaneceram de pé enquanto faziam suas rezas. A pessoa que acompanhava a visita e que mostrava as instalações da igreja ao atravessar perto do “Santíssimo” se curvou completamente e levou a mão ao peito, representando o coração, e o fez da mesma maneira todas as três vezes que passou pelo local o que indica a importância dada aos elementos eucarísticos como corpo de Cristo.

Há um painel que toma toda a parede frontal da igreja. Este painel parece ser pintado ou construído com areia de colorações diversas e é divido em quatro partes, sendo a primeira a sua base composta da concepção de uma mesa com os apóstolos. A segunda parte, à esquerda, a representação do nascimento de Jesus Cristo, com as formas do infante Jesus, José, Maria, pastores e um anjo. A terceira parte, à direita, estão concebidas as figuras de três mulheres. Um dos membros da igreja me informa que acredita ser a representação das mulheres que choram à beira do caminho, mas que não tem muita certeza a respeito. A quarta parte, no centro da parede, tem um desenho que simula Jesus Cristo ressurreto, com uma cruz na mão esquerda e o lado do corpo aberto. É um painel suntuoso.

As colunas, os arcos, as esculturas e o grande painel frontal são majestosos e a riqueza simbólica de cada uma destas coisas é impressionante. Após considerar todas estas figuras simbólicas, dá-se razão a Peter L. Berger quando utilizou apropriadamente a palavra “plenitude” ao se referir ao universo católico e enquanto considerou o protestantismo como radicalmente mutilado. A riqueza de conteúdos religiosos foi drasticamente sacrificada no protestantismo e enquanto o católico tem os sacramentos da Igreja, a interseção dos santos e até a crença em milagres, o protestante desvalorizou todos os sacramentos como meios de salvação, “obtendo com isso a racionalização religiosa do mundo em sua forma mais intensa.” (WEBER, 2007, p.116).



[i] O termo “igreja” é utilizado pelos protestantes ao se referirem a todo o espaço utilizado pela comunidade religiosa. Deste modo, um prédio anexo ao santuário é “igreja” assim como o próprio santuário. Tal concepção não foi identificada na comunidade católica visitada que, sempre se referia a “igreja” como exclusivamente o local do santuário, enquanto seus anexos eram denominados de paróquia, casa paroquial, mosteiro e etc.

[ii] A Palmeira Imperial foi muito utilizada a partir do Séc. XIX no Rio de Janeiro como símbolo do poder do Império. A historiadora Roseli Maria Martins D’Elboux afirma que a “espécie vincula-se definitivamente à imagem do poder monárquico, à idéia de nobreza, distinção e classe.” (D’ELBOUX, 2006, v.14, n.2).

[iii] Para acesso à história da Ordem dos Salvatorianos, indica-se o site http://www.salvatorianos.org.br/.

[iv] O termo “SDS” significa “Sociedade do Divino Salvador” que é o nome civil da Ordem dos Salvatorianos.

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