George Carlin (saudoso) fala acerca do planeta e dos constantes cuidados dos seres humanos com esta pequenina bolinha azul.
"E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." João 08.32 Estava escrito o tempo todo, mas nunca apresentaram este versículo como um caminho possível de ser seguido.
Geralmente eu não atribuo muita importância a regulamentos. São sempre repetitivos. Se você leu o do ano 1950 então já sabe o que estará escrito no de 2010, no entanto, por força de obrigação tenho de ler o regulamento do ANVER-SS/10 (Acampamento Nacional de Verão dos Embaixadores do Rei – Sítio do Sossego /2010).
O regulamento é muito parecido com os anteriores, mas uma frase despertou minha atenção. O parágrafo inteiro está destacado abaixo:
O Núcleo dos Valentes não é “PRÉ- MILITARISMO”. A organização Embaixadores do Rei visa o desenvolvimento físico, social e espiritual do menino. O Núcleo dos Valentes com suas atividades visam levar o Embaixador a ser um grande Líder da Organização.
“O Núcleo dos Valentes não é “PRÉ- MILITARISMO”.”.
Não sou militar. Meu pai, minha mãe e minha irmã também não são. Tenho pouquíssimos amigos militares. Então não falo em defesa de qualquer interesse próprio, senão o de fazer perceber como o autor da frase destacada está equivocado.
Vamos começar pelo básico, a saber, o próprio Núcleo dos Valentes (NV).
A idade para ingressar no NV é de 17 anos, ou seja, apenas um ano antes da apresentação obrigatória ao serviço militar. Coincidência.
Os ERs lotados no NV não ficam acampados em construções de tijolos como os demais ERs. Eles ficam num local chamado “Fim do Mundo”, que é uma clareira no meio da mata, sendo possível o acesso apenas por trilhas.
Nesta clareira, os ERs constroem suas cabanas com materiais retirados da própria mata. Cabanas feitas com troncos, galhos, cipós e folhas.
Nesta clareira os ERs comem. Eles cozinham em fogueiras e não necessitam vir ao refeitório que os demais ERs, não Valentes, utilizam.
O nome do Núcleo é uma alusão ao grupo formado pelo personagem bíblico Davi e intitulado “Valentes de Davi” de acordo com a passagem bíblica de 1 Crônicas 11.10. Estes Valentes eram homens poderosos e de guerra. Suas proezas nas batalhas são descritas e por elas são conhecidos como se pode conferir em 2 Samuel 23. 9-38.
No NV os ERs aprendem como sobreviver na mata. Como construir abrigo. Como construir uma balsa. Como fazer fogo. Como cozinhar. E aprendem que a união é essencial para a sobrevivência num local difícil. Falo por experiência própria. Acampei no NV em 98. Construí um abrigo, uma balsa, fiz fogo, não cozinhei apenas vi cozinharem e comi a “gororoba” que foi feita e aprendi o valor da união.
Estes conhecimentos são ensinados na escola? Na rua? Na faculdade? Na igreja? Ou este tipo de conhecimento é muito comum às instituições militares?
Há quem diga que a validade do conhecimento não está vinculada à instituição responsável pela propagação do mesmo. Concordo. Mas quem negará que são as instituições militares as mais familiarizadas com estas práticas?
No NV os ERs necessitam obrigatoriamente de roupas camufladas.
Eles se embrenham na mata e fazem exercícios de orientação e localização. Usam bússolas. Usam mapas. Usam sinalizadores. Falam em códigos.
E os líderes? Afinal, os ERs não podem ficar sozinhos no acampamento. A maioria dos líderes é composta por militares ou ex-militares. Alguns levam barracas específicas para acampamento.
E o que mais os ERs fazem no NV? Eles estudam a Bíblia, têm as devocionais, os cultos no núcleo, participam das atividades principais do acampamento e pagam flexões. Sim. Os Valentes pagam flexões. Sempre. Muitas. Assim como no exército. O famoso“PAGA DEZ!” é muito ouvido pelos Valentes.
Então se eles aprendem de pessoas que são ou foram militares os conhecimentos que as instituições militares ensinam num ambiente parecido com uma área militar, como é possível que o NV não seja pré-militarismo? Esta é a questão primeira.
Há de se entender que o termo “Militarismo” tem alguns significados. O primeiro, de acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, significa:
1. Preponderância do exército na governação do Estado.
2. Os oficiais militares.
O segundo significado é mais amplo e está no senso comum. Trata-se de uma ideologia que afirma que a sociedade é mais bem estruturada quando dirigida ou “guiada por conceitos incorporados na cultura, na doutrina ou no sistema militares”.
Acredito que o autor da frase destacada no regulamento deve estar se referindo ao segundo significado, até por que seria imprudência falar mal do exército no ANVER, uma vez que muitos conselheiros são militares ou ex-militares.
Pois bem, se é do segundo significado que se trata, então a situação complica, pois a maioria dos ensinamentos são provenientes da cultura, da doutrina e do sistema militar.
Se faz oportuno prestar atenção ao símbolo oficial do Núcleo dos Valentes que foi colocado na parte superior da postagem.
Um braço forte segurando uma cobra num cenário camuflado. Lembro-me da famosa frase do Exército brasileiro: Braço Forte, Mão Amiga (http://www.exercito.gov.br/).
Eu tenho orgulho de ter participado do NV. Aprendi muito. Aprendi coisas que me fascinaram. Hoje eu tento transmitir aos ERs que demonstram interesse.
Mas não se trata de mim. Fascinar-me ou não, de maneira alguma é um argumento.
A questão segunda é que o ANVER é pré-militar e pré-militarismo.
No acampamento o ER segue uma rotina rigorosa. Há muita diversão, mas os horários devem ser cumpridos à risca. O ER levanta as 06h00min da manhã. O nome do despertar é “Alvorada”. O ER faz exercícios pela manhã. Os ERs participam de reuniões de núcleo. Fazem “guerra” (competição) entre núcleos. Estes são dirigidos por “Líderes de Cabine” e por um “Comandante do Núcleo”. Cada núcleo tem tarefas a cumprir designadas pelos diretores da semana. Qualquer semelhança com o Exército não é mera coincidência.
A questão terceira é que a Organização Embaixadores do Rei (OER) é pré-militar e pré-militarista.
Para ingressar na OER o garoto precisa aprender o juramento, o hino, o significado do nome ER, a divisa e o tema da organização. É o mínimo para que ele seja chamado de “embaixador”.
Uma vez dentro da OER o garoto seguirá por oito anos ou mais num sistema de postos. Ele estuda alguns manuais e é graduado. Ganha insígnias condizentes com o posto alcançado. E aprende que precisa estudar e trabalhar para chegar ao posto máximo da organização. Mais militar... impossível.
Este sistema é absorvido de tal maneira por garotos de nove, dez, onze e doze anos que mesmo quando a idade da liberdade, a saber, a adolescência chega, ele não questiona o sistema de postos. E será que questionará no futuro? Sendo moldado para a vida militar?
Ingressei na OER com apenas oito anos. Hoje sou conselheiro. Passei por quase todos os núcleos no ANVER (apenas não acampei no Aquário, mas já tive o prazer de ser comandante deste núcleo) e reconheço que muita coisa precisa ser modificada, mas dizer que um núcleo não é aquilo que ele é e que não faz aquilo que faz, não ajuda em coisa alguma.
É preciso que todos tenham consciência que a Organização Embaixadores do Rei é pré-militar e pré-militarista, pois só assim poderemos pensar como deve ser a organização, o que precisa ser feito, o que precisa ser mudado, o que deve permanecer...
Eu amo esta organização. E ter sido Valente foi essencial para que eu me tornasse o homem que sou.
O que peço a todos é que não criem uma imagem fantasiosa para encobrir as falhas (e acertos) da organização.
"Quantas mais tragédias terão os nossos jovens que sofrer antes que os adultos aceitem o fato de que a inocência não é preservada pela ignorância?"
Susan Hayman
Morre o apresentador e ex-deputado Luiz Carlos Alborghetti
Recebi os dois comentários abaixo. O primeiro na postagem 034. Do Apocalipse e o segundo na postagem 080. Daniel. São:
Anônimo disse...
Norman Cohn, como voce mesmo afirma, é historiador, não teólogo!! Como pode um historiador ser base para estudo de teologia? O Prof. Dionísio é o mesmo que você cita no item 80, pelo visto, racionalista! Como pode um racionalista, que não crer nem que Daniel existiu (um personagem literário, como você disse), ensinar teologia e fé? Lamentavel esse tipo de ensino nos seminários e faculdade teológicas. Vejo que você está absolutamente perdido, orientado por pessoas sem fé, que não tem conhecimentos espiritual, mas racional (historiadores, racionalistas etc). Por isso você diz que tinha "medo", e que esses racionalistas tiraram seu "medo"... Será que eles não tiraram a sua fé? Você precisa deles para crer na Bíblia, para crer em Deus? Ou sera que na verdade voce nunca teve fé! Pense com mais seriedade nessas questoes, analise melhor suas leituras.
Anônimo disse...
Absurdo voce como estudante de teologia aceitar a postura de um racionalista, como citei no item 34! Se a Biblia pode ser interpretada pela historia não ha necessidade de fe, ela se torna um livro comum, sem sentido para a cristandade. Acho que voce esta perdido, sem fe, sem saber em que acreditar! O ensino racionalista nos seminarios e faculdade teologica tem confundido a cabeça dos alunos e levado a posturas ceticas, nao cristãs. Analise melhor sua leitura, enxergue nas entrelinhas e vera a verdadeira intenção dos racionalistas, destruir a biblia, a palavra de Deus, tirar-lhe o crédito, e voce assina embaixo!
Infelizmente não sei o nome do autor ou autora dos comentários, mas mantenho a opção de postagem anônima, pois me são mais importantes os comentários do que os nomes e como não poderia deixar de ser, vou respondê-lo ou respondê-la, seja quem for. Tratar-te-ei como homem, mas se és mulher, me desculpe, não tenho como saber. Não comentei antes por que estava sobrecarregado com trabalhos e provas. Agora que tenho tempo, respondo.
Comentarei os dois comentários juntos, pois o próprio autor faz a ligação entre eles.
“Norman Cohn, como voce mesmo afirma, é historiador, não teólogo!! Como pode um historiador ser base para estudo de teologia?”
Norman Cohn é historiador mesmo, mas quem disse que ele é base para o estudo da Teologia? Todas as vezes que recebo algum comentário em alguma postagem, eu releio a postagem para lembrar o que escrevi e em momento algum eu coloquei o renomado historiador como base para estudo da Teologia. Se alguém o fez, por favor, avise que está cometendo um pequeno erro.
Agora, com relação à relação da Teologia com a História, bem, neste ponto a Teologia têm de ceder espaço.
A Teologia não pode dizer que detém a verdade absoluta e abdicar dos conhecimentos que as ciências humanas podem proporcionar.
É preciso haver a transdiciplinaridade. A Teologia não vai baixar a cabeça para a História, Psicologia, Filosofia ou qualquer outra ciência. Mas ela não o fará, porque estas ciências não pedem que ela faça isto. A transdiciplinaridade consiste justamente do andar em conjunto das diversas ciências. Até onde vai a Filosofia? Até onde vai a História? Até onde vai a Teologia? E como elas podem se ajudar?
Se pensarmos a Teologia como ciência (ciência?) auto-suficiente, então somos de todos os mais “miseráveis de todos os homens” (Estou usando a expressão e não o versículo).
A Teologia, sempre acostumada a ser sistemática e, portanto dogmática, não gosta de pedir ajuda às outras ciências. Gosta de resolver sozinha, mas é hipócrita. Por que nas famosas Bíblias de estudo, é comum ver os resultados arqueológicos que comprovam X ou Y história bíblica. Então a Arqueologia para favorecer e abalizar as ideias ditas cristãs é útil, mas para apresentar outra possibilidade de interpretação de histórias bíblicas é do “demônio”? Hipocrisia. Se for utilizada para um fim, porque não pode ser utilizada para outro? Afinal, o fim último não é validar ou invalidar a veracidade de uma história, mas sim conhecer o evento. O que se passou? Como se passou? Quando se passou? Com quem se passou? Entre outras perguntas cabíveis. Se as descobertas arqueológicas desfazem um significado atribuído a uma história ou objeto, o que se fará? Mudar a história e o objeto para que o significado permaneça ou entender que talvez (TALVEZ) o significado não corresponda à realidade dos novos conhecimentos.
Alguns exemplos simples que podem justificar o extenso parágrafo acima:
Baltazar é filho de Nabônides, não de Nabucodonosor, e nunca teve o título de Rei; “Dario, o medo”, é desconhecido dos historiadores e não há lugar para ele entre o último rei caldeu, Nabônides e Ciro, o Persa, o qual já havia vencido os medos (549 a.C.) quando conquistou o Império Babilônico; Nabucodonosor não levou para o exílio Joaquim e nem os utensílios do Templo de Jerusalém
Estes exemplos estão no texto do prof. Dionísio e correspondem a uma leitura atenta da Bíblia e a descobertas arqueológicas apresentadas por H. H. Rowley e H. Donner.
Bem, com base nestas descobertas é preciso reavaliar as informações presentes no livro bíblico, ou então jogar o trabalho da arqueologia fora. Desde que a pesquisa seja séria e os resultados sejam avaliados ao extremo, eu não vou ignorar o achado arqueológico.
Construir uma teologia que não esteja em constante diálogo com as demais ciências é arriscar-se a errar gravemente uma interpretação de algum texto bíblico.
“O Prof. Dionísio é o mesmo que você cita no item 80, pelo visto, racionalista!”
Com relação ao prof. Dionísio ser ou não racionalista, não posso afirmar ou nem negar. Precisaria saber qual a tua definição de racionalismo e, com base nela saber do próprio prof. Dionísio se existe identificação.
Como não estou autorizado a falar do professor e não sei se ele aprovaria, silenciarei com relação a esta questão.
“Como pode um racionalista, que não crer nem que Daniel existiu (um personagem literário, como você disse), ensinar teologia e fé?”
E qual é o problema de um racionalista ensinar alguma disciplina da grade curricular de Teologia? Acaso o Racionalismo não trouxe apenas à razão tudo aquilo que se dizia saber? Tudo passou a ser questionado e não vejo problema nisso. Imaginemos a situação, que é muito comum, aliás, em várias igrejas no contexto religioso brasileiro:
Na igreja X as mulheres têm de usar um véu. A doutrina baseada na leitura bíblica afirma que as mulheres precisam do véu. Os líderes religiosos defendem a posição de acordo com a revelação do Espírito Santo presente na Bíblia.
Na igreja Y as mulheres não têm de usar um véu. A doutrina baseada na leitura bíblica afirma que as mulheres não precisam do véu. Os líderes religiosos defendem a posição de acordo com a revelação do Espírito Santo presente na Bíblia.
Bem, se não uso a razão, como saber em qual igreja o Espírito Santo fala? Ou será que ele fala nas duas? Se falar, então por que os dois estão na luta por fiéis?
Se a razão for utilizada, então tenho de pensar que pode existir a possibilidade de alguma igreja estar errada ou das duas estarem erradas ou então das duas estarem corretas e só o Espírito Santo sabe dizer por que deixa as duas se digladiarem. Mas usando a razão, eu não posso provar a ação divinal, então o que farei? Analisarei os textos bíblicos nos quais as duas igrejas se baseiam e decidirei qual considero certa e qual considero errada. Razão. Racionalismo. Servindo a Teologia. A contribuição do Racionalismo para a Teologia está em afirmar que o homem pode conhecer. Que o conhecimento não é privativo aos deuses, como, por exemplo, na Grécia. Tudo o que acontecia era da vontade dos deuses e não adiantava ao homem tentar interferir, pois todas as ações estavam destinadas ao fracasso. Não são essas as famosas “tragédias”? O homem em seu esforço máximo para tomar o controle da própria vida, mas sempre frustrado pelos caprichos incompreensíveis da divindade?
É claro que a experiência sensível não pode ser ignorada, mas se não fosse para usar esta razão, então porque eu a teria? E mesmo a experiência sensível é também interpretação. De fato, tudo é interpretação. O que não significa que a realidade não pode ser obtida. Se alguém furar a mão vai sangrar, mas neste caso existe uma causa que pode ser pensada.
Já sou eu a escrever sem saber qual o teu conceito de racionalista.
E só para constar, ninguém me ensina Teologia. Apresentam-me teologias e eu vou construindo a minha. Ensinar? Não.
Pior ainda é tentar ensinar a fé. Isto só acontece nas igrejas. Os professores que se prezam estão pouco se importando em tentar “ensinar uma fé” ao aluno. A fé é pessoal. Ela é construída e ao mesmo tempo é encanto. É algo que permito acontecer e ao mesmo tempo ela não pede permissão. Parece confuso e é mesmo. Minha ideia de fé ficará para outra postagem, mas afirmo que ninguém me ensina fé. Ensinaram-me na igreja. Lá me disseram que fé é isso e aquilo. Que fé é compromisso. Que fé é a única forma de agradar a divindade. Que fé é tudo! Menos uma escolha pessoal. Que é escolha pessoal ninguém jamais me avisou. Preveniram-me de que se eu não tivesse fé, era por que eu não me permitia acreditar. Bem, se eu tenho de me permitir acreditar, então eu sou convencido por mim mesmo e não pela ação das pessoas da divindade, logo, há um problema. Por que na Bíblia está escrito que é o Espírito quem convence (João 16.7 e 8; I Coríntios 2.03,12. 3) Então eu devo mudar a interpretação dos versículos ou devo mudar a interpretação de que a fé é decisão minha? Se for minha, já não cabe a explicação do Espírito. Se for dele, então eu nada posso fazer e se não acredito a responsabilidade não é minha.
“Lamentavel esse tipo de ensino nos seminários e faculdade teológicas.”
Lamentável? Discordo. É lamentável não ter este tipo de “ensino” nas igrejas. Ensino que estimule o indivíduo a pensar. Que estimule a pessoa e decidir por si e não pelas pirraças de uma interpretação de líderes religiosos atuais ou antigos. São dignas de pena as pessoas que têm sua liberdade tolhida e que não podem ser o querem porque estão amedrontadas pelo inferno dogmático e porque lhes fizeram enxergar como verdade que os sonhos, desejos e aspirações humanas não devem ser comparados com os “sonhos” da divindade. São pessoas frustradas por não poderem ser o que queriam. Atormentadas por fantasmas eternos. Eu tenho o fantasma que me atormenta. Leia a postagem 005. Do despertar da consciência e saberá qual é.
“Vejo que você está absolutamente perdido, orientado por pessoas sem fé, que não tem conhecimentos espiritual, mas racional (historiadores, racionalistas etc).”
Que estou perdido é óbvio. É o nome do blog. Faltou dizer que estou só e em dúvida. Que sou orientado por pessoas sem fé, é um baita engano seu. Como podes dizer que meus professores não têm fé? Acaso tu os conheces? Acaso estás com eles a cada minuto do dia? Todos os meus professores pertencem a igrejas. Todos são membros atuantes. Todos criam seus filhos na igreja. Isto conta para saber se eles têm fé? Por que é sempre o primeiro argumento que escuto: “nem está na igreja”. Se não conta para provar a fé de cada um, então o que conta? E pergunto, porque parece que para ti importa saber se eles têm fé. A mim não importa. Estou a analisar os conteúdos e não a fé de cada um. Sei que a postura teológica de cada um influencia na transmissão de conteúdos, mas mesmo assim cabe ao aluno discernir o grau de influência.
É como situação e oposição.
O presidente falava tão mal da situação. Era oposição. Agora é situação e segue as mesmas medidas inauguradas pela situação da qual antes tanto reclamava. É preciso ter discernimento para não misturar a razão com os sentimentos. Gostar de fulano e por isso aceitar seus erros é uma coisa bem diferente de gostar de fulano e adverti-lo de suas práticas erradas e isso se (SE) as práticas estiverem mesmo erradas conforme um código mútuo.
Por favor, defina “conhecimento espiritual”. Só escrevo acerca desta se souber a tua definição.
“Por isso você diz que tinha "medo", e que esses racionalistas tiraram seu "medo"... Será que eles não tiraram a sua fé? Você precisa deles para crer na Bíblia, para crer em Deus? Ou sera que na verdade voce nunca teve fé!”
Querido, (perdão pela intimidade), acredito que não tenhas entendido o que eu escrevi. Eu tinha medo antes. Quando era catequizado pela igreja. Eu não tenho medo agora. O teu “por isso” não tem sentido. E os racionalistas que tu vês não tiraram nada. Eles nem sabiam que eu tinha medo. Eles me apresentaram conteúdos. Eu analisei e o medo foi extinto. Eles não tiraram minha fé. A fé que eu tenho é minha. Assim como a falta de fé que eu tenho também é minha.
De acordo com tua apresentação, medo é sinônimo de fé? Então enquanto eu estava apavorado com o fim do mundo era um crente. Agora que o medo se foi eu sou descrente? Bela fé esta tua. Fé que é medo. Fé que aprisiona. Fé que mantêm todos nas igrejas/currais.
E onde foi que eu escrevi que não creio na Bíblia ou em Deus? Só porque eu não entendo mais uma passagem bíblica como a tradição ensina quer dizer que eu sou ateu? Se isso te deixa tranqüilo, eu ainda acredito na Bíblia. Só que possivelmente a minha crença não é a mesma que a tua.
Afirmo que não conheço livro mais maravilhoso de ser estudado do que a Bíblia. Quando eu engrossava as fileiras dos “crentes”, a Bíblia era lida com o temor de ser quase intocável. De fato, era intocável, afinal, “E, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte do livro da vida, e da cidade santa, e das coisas que estão escritas neste livro.” Apocalipse 22.19.
Hoje a Bíblia é muito mais agradável de estudar. Posso mexer aqui e ali sem o temor de ser atingindo por um raio e de maneira alguma perdi o respeito e admiração que tinha por ela. Apenas modificaram-se os conceitos, mas respeito e admiração ainda os tenho.
Com relação a Deus, bem, pergunta para ele.
Se eu algum dia tive fé? Tive. A ponto de cometer o maior erro da minha vida justamente por que a fé me indicava fazer. E quero ver quem contestará que foi um ato de fé.
“Pense com mais seriedade nessas questoes, analise melhor suas leituras.”
É um conselho? Agradeço. E é o que eu mais faço. As leituras são levadas a sério, assim como as aulas e como as conversas e os comentários no blog. Pense comigo. Se um comentário me fez escrever este texto, então provavelmente eu leve as coisas a sério. As partes engraçadas (raras eu sei, diria até inexistentes) no blog são para descontrair mesmo. Não se vive só de teologia.
“Absurdo voce como estudante de teologia aceitar a postura de um racionalista, como citei no item 34!”
Absurdo? Desculpe, mas quem és para dizer se o que eu faço ou não é absurdo ou não? OPS! Estavas falando que é absurdo para ti somente? Ah, se é assim então tudo bem. Concordo. Absurdo mesmo. Intragável.
Eu aceito ou não a postura teológica, histórica, filosófica, de quem eu quiser. E concordo se eu quiser. Absurdo é não ouvir as diferentes posturas que existem por aí. Não sei se és protestante ou católico, mas um exemplo que diz respeito às duas posturas é cabível. A postura teológica de Lutero não foi muito apreciada pela Igreja Católica. Vais me dizer que ele estava errado? E que todos que aceitaram a postura também estavam e estão errados? Se é assim tem muita gente perdida e nem sabe. Mas por que ficar em Lutero? Judaísmo. A postura de Jesus não foi muito bem aceita pelos judeus e vais me dizer que Jesus estava errado? Se Jesus estava errado, então pegue aquela “muita gente” e multiplique por milhões. E aí?
Postura diferente é apenas postura diferente e eu lerei, ouvirei, lerei e analisarei cada uma que estiver ao meu alcance. Se para ti é um absurdo, então fico ainda mais surpreso. Sabe o significado de absurdo? Eu escrevo aqui para ti, direto do dicionário Priberam: “contrário ou repugnante à razão”.
Logo tu que não gostas que aceitem posturas racionalistas me escreve uma dessas? Ou “absurdo” para ti tem outro significado?
“Se a Biblia pode ser interpretada pela historia não ha necessidade de fe, ela se torna um livro comum, sem sentido para a cristandade.”
A Bíblia não pode ser interpretada pela História. A História apresenta uma reconstrução plausível de eventos passados. Quem utiliza essa reconstrução e interpreta (agora sim) a Bíblia é o homem.
O homem, que tem fé ou não, interpreta aquilo que lê na Bíblia. A fé não é uma substância que sozinha interpreta o que quer que seja.
O homem interpreta segundo a fé que professa? Claro. Mas a fé que professa já é uma escolha do homem. Então antes do homem há o homem e não a fé.
E a Bíblia é um livro comum. Comum como todos os demais. O material é o mesmo de todos os demais livros. Tem algumas que até reservam espaço para anotações. É uma agenda religiosa quase.
Mas a Bíblia também é livro sagrado. Sagrado porque foi sacralizado em Nicéia. E não digo que não era sagrado antes. A questão é que não estava fechado como está hoje. Então não era tão sagrado quanto muita gente pensa hoje. Já ouviu falar em Midrash? E em Alegoria?
São duas técnicas muito antigas de interpretação. E uma delas permitia ao intérprete mexer no texto sagrado. Então, antes de escrever que a Bíblia não pode ser interpretada pela História sem perda de sentido para a cristandade, procure essas duas técnicas. Mas aviso, só procure estes termos se a tua fé for realmente capaz de não ser abalada, pois é Nitroglicerina pura. Se mexer, explode. E no caso, o atingido pelo impacto da explosão é quem mexe.
E por que um livro comum não poderia ter sentido para a cristandade? Com certeza teria para o Cristianismo.
“Acho que voce esta perdido, sem fe, sem saber em que acreditar!”
Copiou o nome do blog? Pelo menos agora quase acertou, mas ainda faltou o “só”.
“O ensino racionalista nos seminarios e faculdade teologica tem confundido a cabeça dos alunos e levado a posturas ceticas, nao cristãs.”
Não. O conteúdo (sei que chamas de ensino, mas prefiro usar a palavra “conteúdo”) não confunde a cabeça dos alunos. O que confunde os alunos é viver no dualismo entre a realidade aprendida como verdade absoluta na igreja e a realidade de saber que aquela realidade doutrinal não necessariamente era a verdade absoluta aprendida nos seminários.
Imagine viver a vida inteira tendo como certo a composição da Bíblia por “40 autores divinamente inspirados” e sem mais nem menos saber que há um processo de construção dos livros bíblicos que dura mais de mil anos. O pobre estudante vai até o líder religioso e tem a resposta que estão tentando tirar-lhe a fé, assim como você escreveu. O estudante sai do gabinete pastoral reconfortado com a explicação, (esta hipótese é só no caso de estudantes serem atendidos pelos pastores, o que já seria uma vitória) mas quando chega ao seminário, ele tem três possibilidades de escolhas. (1) Analisar a fundo tudo que é dito e verificar a plausibilidade do conteúdo ou (2) ignorar tudo ou (3) desistir de estudar Teologia. E, infelizmente, vi dois terços dos alunos que começaram no primeiro período da faculdade desistirem. Dos que estão muitos ignoram. Muito interessante que poucos são os que levam a sério o que é estudado. Deve ser por isso que a corja de líderes religiosos continua por aí a enganar as ovelhas, que são ovelhas, ou seja, animais e não pessoas.
E eu sou cético com relação a muitas coisas e não deixei de ser crente.
“Analise melhor sua leitura, enxergue nas entrelinhas e vera a verdadeira intenção dos racionalistas, destruir a biblia, a palavra de Deus, tirar-lhe o crédito, e voce assina embaixo!”
Querido, analisar a leitura é o que mais faço tanto o que leio quanto como leio. Já escrevi isto acima. As entrelinhas são examinadas à exaustão. E tu? Já analisastes as entrelinhas da Bíblia? E por “entrelinhas” eu me refiro ao texto pelo texto. Permita-me fazer uma sugestão, experimente ler o texto e não permitas que a Tradição leia por ti. Verás um mundo tão diferente que te perguntarás se é mesmo a Bíblia. Ou então não perguntarás, sei lá.
Antes de entrar no seminário eu compartilhava as mesmas ideias, a saber, que queriam destruir a Bíblia. Hoje eu vejo quem quer destruir a Bíblia. A maioria dos meus professores dedica a vida a estudar a Bíblia e fazem o possível para preservá-la. Mas querem, assim como eu, conservar a Bíblia e não uma leitura dogmática.
O que os outros lêem na Bíblia, não me interessa mais, a não ser que seja uma leitura diacrônica a ou acrônica. Aí sim me interessa.
Quero eu ler a Bíblia. Quero eu saber o que está escrito lá. E eu discordo de muitas leituras que meu professores fazem. Algumas leituras minhas são de arrepiar os cabelos de alguns. Então eu sou “pior” do que eles? Eles criaram um monstro? Sou monstro por querer saber exatamente o que o profeta Isaías disse? Ou pelo menos tentar saber? Não sou um monstro descrente herege destinado ao inferno.
Sou apenas um ser humano que acredita ser possível através do estudo sério, entenda-se utilizando todas as ferramentas disponíveis e sem pré-concepções (na medida em que for possível), compreender pela razão o (s) sentido (s) que um determinado autor quis transmitir em algum texto, sempre no campo da plausibilidade e nunca da certeza absoluta.
Para ter a certeza absoluta, só perguntando ao autor. Em se tratando da Bíblia, os autores não estão acessíveis.
Por que ao autor? Por que eu acredito que o sentido de um texto só é dado pelo autor do texto, ou seja, para saber o que o texto significa, é preciso saber do autor o que ele quis dizer. (intentio-auctoris).
Parece sensato para mim. Eu não sei tua definição do Racionalismo, então te perguntei. Simples. Se o texto falasse por si, eu não perguntaria. Se a minha fé falasse sem a necessidade de minha interpretação, eu não te perguntaria. Se alguma divindade falasse, eu não te perguntaria.
Os fatos são: o texto tem várias possibilidades de significados, minha fé ou a falta dela não se pronunciaram e os deuses estão calados.
Quem me resta? O autor. Então pergunto.
E para a Bíblia? Pergunto a quem? À Tradição que diz simplesmente transforma o texto em alegorias? Aos líderes religiosos que seguem as alegorias? Aos professores (racionalistas ou não) que darão as suas interpretações ao texto?
De jeito nenhum!
Eu vou perguntar ao autor e para isso preciso das ciências. Preciso da ajuda da História. Preciso da ajuda da Literatura. Preciso da ajuda da Filosofia. Preciso da ajuda da Epistemologia. Preciso da ajuda de muitas ciências e eu não tenho vergonha de pedir ajuda.
A minha teologia (ainda em construção) dialoga com todas estas e com todas aquelas que puderem ajudar a erguê-la de forma honesta. Mesmo que errada aqui ou ali, será honesta para saber que não é a verdade absoluta e que precisa de reparos. Mas a teologia não é um corpo. Eu faço a teologia. Se a quero honesta, então eu tenho de ser honesto. E estou tentado fazer isto.
Eis o que as teologias por aí precisam, de reparos e de honestidade. Mas enquanto se enxergar a ajuda como tentativa de destruição, será impossível.
Não sou exemplo e pode ser que ao concluir algumas etapas de meus estudos eu retorne a ser o que era antes. Mas até lá, vou vivendo uma etapa de cada vez.
Obrigado pelo comentário.
Um homem passeia tranquilamente por um parque em Nova York quando vê um cachorro raivoso a ponto de atacar a uma aterrorizada menininha de 7 anos. Os curiosos olham de longe, mas - mortos de medo - não fazem nada. O homem não titubeia e se lança sobre o cachorro, toma-lhe a garganta e o mata.
Um policial que viu o ocorrido se aproxima, maravilhado, dizendo-lhe:
- Senhor, vossa senhoria é um herói. Amanhã todos poderão ler na primeira página dos jornais: "Um valente Nova Yorkino salva a vida de uma menininha."
O homem responde:
- Obrigado, mas eu não sou de Nova York.
- Bom - diz o policial - Então dirão: "Um valente americano salva a vida de uma menininha."
- Mas é que eu não sou americano - insiste o homem.
- Bom, isso é o de menos... E de onde você é?
- Sou árabe - responde o valente.
No dia seguinte os jornais publicam: "Terrorista árabe massacra de maneira selvagem um cachorro americano de pura raça, em plena luz do dia e em frente de uma menininha de 7 anos que chorava aterrorizada."
SHAULL, Richard. De dentro do Furacão: Richard Shaull e os primórdios da Teologia da Libertação. São Paulo: Ed. Sagarana; CEDI; CLAI; Progr. Ec. De Pós-Grad. Em Ciências da Relig., 1985. p.53-65.
O livro “De dentro do Furacão” foi organizado por ex-alunos de Richard Shaull. Estes ex-alunos compõem hoje uma distinta classe de teólogos que muito têm contribuído para o pensamento da Teologia da Libertação na América Latina. Richard Shaull representou para estes teólogos o início do envolvimento entre Igreja e movimentos sociais, causando uma verdadeira revolução nas mentes, igrejas, seminários e no país. Tal revolução rendeu a Shaull a advertência para que não retornasse ao Brasil, mas retornou. Quando finalmente deixou o país, os ex-alunos já estavam envolvidos em suas próprias revoluções. É sobre a revolução de Shaull que este diminuto esboço se propõe a tratar.
O capítulo “Revolução” do livro citado está dividido em três partes. Abordaremos apenas uma parte, a saber, “A revolução” por ser esta a que apresenta mais concretamente a ideia de Shaull com relação ao ato revolucionário em si e suas conseqüências.
A primeira parte, “A revolução” originalmente foi uma conferência pronunciada para um auditório de estudantes nos EUA em 1955.
Shaull inicia sua palestra afirmando que todos estão “assentados sobre um vulcão”, ou seja, que o clima de incertezas e a precariedade dos sistemas atuais (filosóficos, econômicos, teológicos) formam um quadro instável no qual a erupção estava prestes a acontecer. A erupção certamente é a revolução que ele considera como inevitável.
Por se dirigir a um público formado por americanos, Shaull apresentará uma visão trágica e verdadeira das diferenças entre os EUA e os países subdesenvolvidos com destaque para as dificuldades enfrentadas pelos pobres e pelos oprimidos. Em todas as comparações os EUA são destacados como privilegiados, mas Shaull faz questão de demonstrar que tal posição deve gerar uma percepção da opressão que leve os abastados a se sensibilizarem com os explorados.
Ele ainda adverte a respeito da influência do cinema americano que incentiva o homem comum a querer usufruir dos mesmos bens que são mostrados nos filmes, como geladeiras, televisões, carros e etc. De fato, o homem comum é descrito por Shaull como um indivíduo que anseia por dignidade e responsabilidade que lhe são proporcionadas pela posse de poder. Ele também exige privilégios que o possibilitem participar do controle das forças econômicas e políticas. Quem puder satisfazes o anseio deste homem terá o seu apoio político, assevera Shaull.
O capitalismo é lembrado por Shaull que faz questão de identificar o capitalismo moderno, dos EUA e o capitalismo primitivo dos países subdesenvolvidos. Nestes, o sistema primitivo garante que quando o chefe da casa adoece, a família passa fome. É a exploração que tanto incomoda Shaull.
Em seguida ele apresentará a tese do Dr. Karl Mannheim denominada “A grande sociedade” que aborda o fim do mundo paroquial de pequenos grupos e o surgimento da sociedade em que todos os problemas são comuns e todos os indivíduos estão correlacionados. A passagem de um estilo de vida para outro causou uma “aguda desorganização” que promoveu os problemas como a pobreza e a superpopulação em determinadas áreas.
Depois Shaull apela para a consciência das classes privilegiadas. Estas são “sensíveis e esclarecidas” e por isso “tornam-se conscientes do sofrimento ao seu redor e não conseguem mais calar”, ingressando em forças revolucionárias como o comunismo.
Por fim ele apresentará a “revolução da alma”, descrita como a revolução do homem contra as ideias religiosas e suas ligações com o passado. Shaull apresentará duas conseqüências para esta revolução. A primeira é a antítese entre a fome espiritual e a atitude negativa contra todas as religiões causada pelo impacto da “escravidão moral” denunciada por Nietzsche e pelo péssimo exemplo do Ocidente no Oriente. A segunda é o desespero do homem que busca uma fé que dê sentido e ordem à sua vida e ao mundo.
Para Shaull é evidente que vivemos numa época de revoluções e nos eximirmos da responsabilidade de Igreja é permitir que os pobres continuem a mendigar o pão, os oprimidos continuem a chorar e os poderosos continuem a controlar. Shaull apresenta claramente a situação caótica em que vivemos, mas não incute medo ao fazê-lo. Ele apresenta todos os problemas que temos diante de nós como oportunidades de trabalho em que cristãos realmente demonstrarão seu valor.
É nas situações de crise que Shaull enxerga a ação divina e não é possível para ele haver cristão que não esteja envolvido em alguma forma de transformar o mundo atual num mundo de todos.
Shaull afirma que para libertar o Cristianismo de dentro das “quatro paredes de seus lindos templos” e fazê-lo sair “ao mundo a fim encará-lo de frente, é preciso um esforço tal que a maioria de nós não deseja enfrentar.”. É preciso a revolução dentro de nós.
É natural do ser humano buscar respostas para as questões inquietantes da vida. De todas as demandas que perturbam o homem certamente a morte e o sofrimento são as mais debatidas. Muito se diz acerca da morte e mais ainda acerca do sofrimento. Faça o leitor a experiência de procurar livros com a temática funesta e o Google apresentará mais de oito milhões de resultados. Caso pesquise pelo “sofrimento” então que também pesquise “dor” e “pesar” e os frutos se multiplicarão. O livro bíblico “Jó” é umas das diversas opções de leitura acerca do tema.
O livro de Jó desperta a curiosidade dos acadêmicos e muito se tem escrito acerca das dificuldades de leitura da obra. De fato, Norman K. Gottwald afirma que os ingredientes de gêneros presentes no livro são numerosos e que se destacam por apresentarem estruturas muito diferentes. A lamentação individual, o discurso de controvérsia, o apelo à antiga tradição e uma fórmula de sumário-avaliação permeiam o livro.
Mas não são apenas os acadêmicos que demonstram interesse pelo livro de Jó. É muito comum que líderes religiosos utilizem o livro bíblico em suas mensagens e é do senso comum que o personagem represente a paciência, como se percebe na frase “tem que ter paciência de Jó”.
Academia e a Igreja se separam com relação à interpretação do livro. Enquanto a Academia adota em sua maioria uma leitura diacrônica, a Igreja adota uma leitura anacrônica[1].
Na leitura ou abordagem anacrônica, a Igreja, ou seja, aqueles que fazem parte de uma comunidade de fé de acordo com Cristianismo lêem o livro de Jó segundo a Tradição. Esta auxilia os leitores a compreenderem Jó como personagem rico que perde tudo o que tem, incluindo seus filhos e filhas, e sofre de chagas dos pés à cabeça, mas por ser paciente e não blasfemar contra a divindade é recompensado com o dobro de tudo que possuía, incluindo filhos e filhas.
A leitura diacrônica, no entanto não enxerga qualquer paciência em Jó. Pelo contrário, vê no personagem quase um blasfemador. Não há tradição que oriente os leitores diacrônicos, mas há um conjunto de ferramentas utilizadas para a reconstrução do contexto histórico-social da época do autor do texto. O personagem não é importante para o leitor diacrônico, pois este o entende como um ser, fictício ou não, que desempenha um papel dentro de uma esfera construída por um autor. É o autor e seu mundo que interessam, pois só pela compreensão da intentio-auctoris é possível chegar ao sentido do texto.
Tendo em vistas estas duas possibilidades apresentadas é possível entender como os líderes religiosos utilizam o texto de Jó em suas igrejas e comunidades. O texto bíblico favorece e até alicerça a Teologia da Prosperidade (TP) tão bradada dos púlpitos. Segundo esta teologia, os cristãos fiéis a Deus não são derrotados definitivamente pelo mal, mas vencem e são prósperos em tudo que fazem. Esta prosperidade é enfatizada no que concerne aos bens materiais. As muitas campanhas e slogans prometem uma reviravolta na vida daquele que se dispuser a ingressar nestas igrejas e que assumir um compromisso com Deus. Este compromisso em geral é uma oferta voluntária programada durante algumas semanas, também conhecida como “corrente”. Mensagens como “Vida vitoriosa”, “Pare de sofrer”, “A mão de Deus está aqui”, “Sinta o poder de Deus” enfeitam outdoors e letreiros de igrejas.
O grau de influência da TP é tão impressionante que uma das músicas dita “evangélica” mais conhecida no Brasil e, jocosamente apelidada de “melô do Imposto de Renda”, tem como refrão as seguintes frases:
Restitui! Eu quero de volta o que é meu
Sara-me! E põe Teu azeite em minha dor
Restitui! E leva-me às águas tranqüilas
Lava-me! E refrigera a minh’alma
Restitui...
A TP é apenas uma releitura da Teologia da Retribuição (TR), também chamada de “Justiça Distributiva”, presente no livro de Jó. A TR é o entendimento de que todas as ações e pensamentos humanos são avaliados pela divindade que retribuirá individualmente de acordo com o que for merecido. Se uma pessoa pratica boas obras então receberá bênçãos, mas se pratica atos maus receberá maldições, que podem ser castigos iguais aos que Jô recebeu.
Os três amigos de Jó, Elifaz, Bildade, Zofar e o misterioso quarto elemento Eliú tentam convencê-lo de que a divindade apenas cumpre o papel e que os castigos infligidos se devem às atitudes de Jó. Jean Louis Ska afirma que eles
fizeram de tudo para levá-lo a admitir que ele era um caso como os outros, sujeito à regra geral da justiça distributiva: Deus recompensa o justo e pune o ímpio; se sofres, é porque és punido; se és punido, é porque há pecado; arrepende-te e Deus te curará.
Esta teologia ainda está presente no meio evangélico brasileiro. A Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus são suas mais conhecidas representantes, mas muitas outras denominações têm apresentado discursos semelhantes, apresentando um deus ex machina diligente em castigar a todo aquele que não seguir as doutrinas, que são transmitidas por estes líderes, como verdades absolutas. O impressionante é a afirmação contraditória de que pregam uma divindade que é amor.
Conquanto seja uma teologia que inspire no fiel a mudança de comportamento e o abandono de atitudes prejudiciais, é uma forma de dominação, pois não é pela boa vontade que o homem altera seus costumes, mas pelo medo de ser castigado.
Embora muitos estudiosos considerem que a leitura diacrônica não tenha lugar no ambiente eclesiástico e que a própria Igreja a exclua, mesmo sem ter conhecimento aprofundado da questão limitando-se a considerá-la como heresia, é justamente pelo Método Histórico-Crítico que se pode apresentar uma nova leitura deste livro sapiencial indo de encontro às TP e TR.
O livro de Jó é descrito como um livro Sapiencial, ou seja, “Sabedoria”. Trata-se de um modo de ver o mundo baseado na observação e reflexão. Segundo Gottwald a meta do escrito sapiencial é desenvolver táticas de vida que farão parte da existência da pessoa com a ordem percebida do mundo. É uma busca por um modo de vida ético entre os seres humanos inseridos em situações comuns a todos.
Entender que o movimento Sapiencial é contrário ao culto praticado em Israel é um erro, pois ser um israelita no tempo do AT é ser religioso, assim como ser romano no período do Império Romano é ser religioso. A religião está em todos os aspectos da vida. Mas este movimento enxerga a possibilidade humana de refletir e chegar à uma determinação da verdade. O culto a IHWH possivelmente era praticado pelos integrantes do movimento, mas com a diferença de que era “algo cujo valor e significado tinham de ser postos à prova, determinados e integrados a todo o resto de conhecimento e de verdade.” (GOTTWALD, 1988, p.525).
Haroldo Reimer identifica uma “crise na sabedoria” devido ao mecanismo do sistema de retribuição não ser mais suficiente como regulador da ordem social tendo em vista a experiência cotidiana que demonstrava a opressão aos justos enquanto os ímpios prosperavam. Esta crise se dá no período pós-exílico quando as constantes invasões, deportações e derrotas do povo de Israel aumentaram as experiências de sofrimento e empobrecimento que foram discutidas à luz da teodicéia babilônica.
De acordo com Osvaldo Luiz Ribeiro a influência babilônica é evidente no livro, principalmente em 7,12 quando Jó faz referência ao mito da criação babilônico ao questionar se ele mesmo era o “monstro marinho”, conhecido como Tiamat no mito cosmogônico Enuma Elish.[2]
Ainda de acordo com Ribeiro o livro bíblico pode ser dividido da seguinte forma: Prólogo: 1-2 em prosa, Núcleo: 3,1-42,6 em poesia e Epílogo: 42,7-17 em prosa.
Esta divisão favorece a tese de que o prólogo e o epílogo fazem parte de uma história já conhecida em muitas nações e regiões do AT cujo tema é o justo sofredor como se pode perceber na extensa relação feita por Ribeiro
Constitui “evidência externa” o fato de que “de uma série de textos paralelos do antigo Oriente se depreende que o livro de Jó não trata de um tema genuinamente israelita”. Mencionam-se vários desses “textos paralelos”. 1 – Homem e Deus, ou Jó Sumério, datado de cerca de 2.000 a.C. 2 – Ludlul bel nemeqi (“Eu enaltecerei o senhor da sabedoria”), mais conhecido como Jó Babilônico, datado de cerca do século XII a.C. 3 – O Diálogo de um Sofredor com seu Amigo Religioso, também conhecido por outros dois nomes: Teodicéia Babilônica e Qohelet Babilônico, datado entre os anos 1.000 e 800 a.C. 4 – vários excertos da literatura egípcia, caracterizados como “controvérsia sapiencial”: O Lamento do Agricultor, O Diálogo da Pessoa Cansada da Vida com sua Alma e as Palavras de Exortação de Ipu-Ver, por exemplo, datados do fim do terceiro milênio. 5 – na literatura grega, Prometeu, Os Persas (de Ésquilo), bem como dramas de Eurípedes, todos datados entre os séculos VI e VIII.
O núcleo do livro apresenta uma refutação à TR e Gottwald afirma que o autor está satisfeito em demonstrar que há
sofrimento inocente, algo que a dogmática sapiencial não poderia tolerar (...) “inocente” não quer dizer que o sofredor esteja sem pecado, mas apenas que o sofrimento acontece uma a outra vez, para o qual nós não podemos apontar nenhuma razão formulaica.
O único argumento que resta para que a TR e a TP ainda se utilizem de Jó como personagem central de suas mensagens é o verso 42,5-6 em que a tradição lê o arrependimento do personagem, conditio sine qua non para a benção de Deus. No entanto, Ribeiro oferece a tradução de Jack Miles e a argumentação que o verbo presente no v.6
não se faz seguir imediatamente de um complemento, qualquer que seja, de modo que os complementos “de mim” e “me” das traduções (...) “são acrescentados da cabeça do tradutor” – não existem no texto hebraico, e foram pressupostos pelos respectivos tradutores. Jack Miles aposta que tal tradição derive da LXX, cujo tradutor acrescentou literalmente o complemento, cuja força ter-se-ia migrado para a tradição de leitura de Jó.
Se a tradução de Jack Miles estiver correta, então o personagem não se arrepende. Desta forma, “Jó pôde rebelar-se, e suas palavras puderam beirar a blasfêmia, mas é a ele que Deus aprova e não a seus amigos,” (SKA, 2000, p. 35). A tradução de Miles é:
“Tu ouves, eu falarei’, dizes, ‘eu perguntarei e tu responderás’.
Ouvira falar de ti, Mas agora que meus olhos o viram,
Estremeço de pena pelo barro mortal.”
O que o personagem fala é um lamento pelo homem diante de uma divindade muito além da compreensão e condições características da raça humana.
Não há paciência em Jó. Ele lamenta as perdas, resmunga das dores, amaldiçoa o dia em que nasceu e questiona a divindade acerca das aflições humanas. Talvez seja justamente por isso que o autor silencia Deus diante de Jó. Após as últimas palavras de Jó, Deus se volta contra os “amigos” que não falaram aquilo que era “reto”. É visível que os amigos representam a TR, o templo e o poder da época e que são todos condenados quando comparados àquele que era considerado pecador e sofredor da justiça divina.
Jó se recusa a carregar o fardo que lhe é constantemente imposto e isto não faz dele um super-homem, mas sim um homem. Ele se permite chorar e sentir a dor que as agruras da vida lhe proporcionaram, e no decorrer da história ele aprenderá que as circunstâncias da vida acometem a todos os seres e que não é a fidelidade em um ser divino que garantirá a riqueza, a paz e a saúde na terra.
Essa é uma mensagem que os líderes religiosos não transmitem quando pensam em Jó. Fazem dele um ser tão fiel e forte que sua humanidade é imperceptível.
A morte e o sofrimento permanecerão no habitual dos seres vivos e no imaginário de cada indivíduo, mas se prestarmos atenção às atitudes e palavras que o autor do livro bíblico atribui a Jó, entenderemos que não há sofrimento necessariamente por causa de pecado e que a morte não é um castigo divino, mas são apenas etapas que não podem ser evitadas, pois são elas que nos constituem como verdadeiros seres humanos.
Referências Bibliográficas
GOTTWALD, Norman K. Introdução socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Edições Paulinas, 1988.
REIMER, Haroldo. Pobre Sujeito: sobre os direitos do pobre no livro de Jó. Disponível em: <http://www.haroldoreimer.pro.br/pdf/Pobre%20Sujeito.pdf>. Acesso em 28 nov. 2009.
RIBEIRO, Osvaldo Luiz. Os seis versículos: sobre a estrutura e o sentido de Jó. Disponível em <http://www.ouviroevento.pro.br/biblicoteologicos/Os_seis_versiculos.htm>. Acesso em 28 nov. 2009.
RIBEIRO, Osvaldo Luiz. Entre a dor, as palavras e a fé. Disponível em <http://www.ouviroevento.pro.br/curtissimas/entreador.htm>. Acesso em 28 nov. 2009.
SKA, Jean Louis. Como ler o Antigo Testamento?. In: SIMIAN-YOFRE, Horácio. Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p.34-37.
[1] Adota-se aqui a nomenclatura utilizada por Simian-Yofre em sua obra Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
[2] Para uma descrição detalhada do Enuma Elish cf. COHN, Norman. Cosmos, caos e o mundo que virá: as origens das crenças no Apocalipse. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.