terça-feira, 19 de janeiro de 2010

115. Do erro.

Errar é fácil. Saber o que é certo e não o fazer é uma definição simples e boa para erro. Está escrita, embora não como definição no livro de Tiago cap.4 vers.17 da seguinte maneira: "Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz comete pecado.".

Esta definição, no entanto, pode ser confusa, uma vez que tentar determinar o que é certo e o que é errado pode complicar muito a vida tendo em vista a multiplicidade de influências internas e externas.

Um exemplo prático: crianças com 12 anos de idade não podem se casar no Brasil. É errado. Alguns afirmam ser pedofilia mesmo com o consenso do menor de idade. Com relações às questões jurídicas, deixo para meu amigo Carlos.

Analisemos a questão apenas no âmbito cultural. Durante a antiguidade e até no período dos primeiros pais da Igreja o casamento era comum a jovens desta idade, como pode ser percebido nas palavras de Justo L. Gonzalez ao se referir à irmã de Basílio de Cesaréia e Gregório de Nissa. Diz ele que “Aos doze anos Macrina já era uma mulher formosa, e seus pais deram os passos que naquela época eram costume, para preparar seu casamento." (GONZALEZ, 2007, p.126).

Ora, se algo é errado, então é errado em qualquer data e qualquer ocasião. Mas se é possível perceber que o casamento de pessoas com apenas 12 anos não era errado e agora é então houve mudança. Se há mudança então o “erro” não é tortuoso em si, mas carrega um significado atribuído por alguém em determinado tempo. Assim, a frase correta seria “Se algo é considerado errado, então será errado enquanto existirem aqueles que aceitem o significado imputado”.

Acredito que seja melhor deixar bem claro que não sou favorável ao casamento de pessoas com apenas 12 anos. Nem com 13, 14, 15, 16, 17...

A questão é que o erro representa apenas aquilo que em algum momento foi determinado como inconveniente para outro alguém ou para si mesmo.

Mesmo com as muitas diferenças culturais é possível definir o erro?

Compartilho em parte a visão de um professor. Aquilo que faz o outro sofrer é errado. Complemento que aquilo que faz o outro sofrer injustamente é errado, bem como aquilo que nos faz sofrer injustamente seja errado.

Sofrer injustamente?

Se entendermos o sofrer como “passar por algo que causa dor”, existirão muitas ocasiões em que o sofrimento pode ser natural e até necessário.

Um exemplo de sofrimento natural pode ser encontrado em Gregório de Nissa, já que falamos da irmã, quando afirma que “quem não se casa não precisa passar pela dor de ver sua esposa em dores de parto, nem pela dor maior de perdê-la.” (GONZALEZ, 2007, p.133).

Um exemplo de sofrimento necessário pode ser encontrado em duas postagens, a saber, http://soperdidoeemduvida.blogspot.com/2009/07/005-do-despertar-da-consciencia.html e http://peroratio.blogspot.com/2009/07/2009394-entre-profundamente-triste-e.html.

Infelizmente a maioria das pessoas não olha para o mal que causa. Cada um sente a sua dor e por isso ignora a dor do outro, mesmo quando esta chaga é aberta por mãos que deveriam cuidar.

Agora me lembro da mulher adúltera da passagem de João 8.1-11. “Ela pecou!”, “Ela contrariou nossas leis!”, “Ela nos ofendeu!” e com pedras em punho esperavam cumprir a lei e restaurar a ordem ou simplesmente testar Jesus. E Jesus talvez não se importando com o teste ou apenas fornecendo a melhor resposta possível diz “Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire a pedra contra ela”.

“Aquele que está sem erro.”.

Parece ser um olhar para o outro. Parece ser cuidado. Parece ser o entendimento de que por mais que alguém tenha dito que algo era “ERRO” a vida humana vale mais. Parece o pensar que talvez o que é considerado erro por mais que seja falha talvez deva ser perdoado. Parece o saber que uma pessoa não pode ser definida por seus erros.

Lembro de uma esposa de um renomado pastor que o abandonou. Não fugiu com outro, apenas deu fim ao casamento. Tempos depois ela apareceu na igreja que eu freqüentava. Pedras foram erguidas e uma delas soou perto do meu ouvido. Dizia: “Como é que tem coragem de voltar aqui?”. Absurdo. A igreja não seria o local ideal para que ela estivesse? De acordo com a frase citada provavelmente não.

Retiro ainda mais alguns exemplos.

Que falar do grande Ambrósio de Milão? O mesmo homem que disse:

É muito melhor guardar almas para o Senhor, do que ouro. Porque quem enviou os apóstolos sem ouro, sem ouro reuniu também as igrejas. A igreja não tem ouro para armazená-lo, mas para entregá-lo, para gastá-lo em favor dos que têm necessidades....Melhor é conservar os vasos vivos que os de ouro. (GONZALEZ, 2007, P.141).

Foi o mesmo que não permitiu que cristãos fossem punidos por terem queimado uma sinagoga judia. Resultado? Judeus tiveram sua sinagoga destruída e não reconstruída, cristãos culpados não foram condenados e ficaram impunes e o germe do poder e prevalência do Cristianismo em relação às outras religiões.

Que falar de Agostinho de Hipona? O mesmo homem que estruturou a fé da igreja com sua obra extensa e grandiosa chegando a ser considerado logo após Paulo como aquele que direcionou a Igreja e que lindamente disse:

Quando pensava em me consagrar por inteiro ao teu serviço, Deus meu, ...era eu quem queria fazê-lo, e eu quem não queria fazê-lo. Era eu mesmo. E por que não queria de todo, nem de todo não queria, lutava comigo mesmo e me rasgava em pedaços. (GONZALEZ, 2007, p.163)

Foi o mesmo que disse a Jerônimo:

Rogo-te que não dediques teus esforços à tradução dos livros sagrados para o latim, a menos que sigas o método que seguiste antes, em tua versão do livro de Jó, ou seja, acrescentando notas que mostrem claramente em que pontos tua versão difere da Septuaginta, cuja autoridade é inigualável... Além disso não vejo como, depois de tanto tempo, alguém possa descobrir nos manuscritos hebraicos alguma coisa que tantos tradutores e bons conhecedores da língua hebraica não tenham visto antes. (GONZALEZ, 2007, p.161).

A tradução em que Jerônimo trabalhava seria conhecida como A Vulgata, versão que foi consagrada pelo Concílio de Trento em 1546 e que após uma revisão realizada após o Concílio Vaticano II foi definida como a Bíblia oficial da Igreja Católica e utilizada em sua liturgia.

Os erros dos dois grandes da “Era dos Gigantes” como intitula Gonzalez representam razões suficientes para invalidar o restante da obra desempenhada?

Talvez precisemos apenas de um novo olhar. Como o olhar de Jesus. Um olhar que enxergue além dos erros e veja a pessoa. Não um olhar mutilado em que a razão é encoberta e o erro acaba oculto, mas um olhar que vê o erro, mas que este não se torna o “chumbo” que impede a visão do ser humano.

Dizem que “Errar é humano e Perdoar é divino”. Não sei. Gosto da corrente de pensamento que vê em Jesus alguém tão humano que só poderia ser divino. Pelo meu parco entendimento é apenas quando o de mais humano brota que o divino é percebido, como a sabedoria do Antigo Testamente que enxergava no comer, beber e gozar a vida ao lado da mulher amada como porção dada pela divindade nesta vida. Fazer estas coisas era viver a vida dada pela divindade.

Se alguém me disser que o que escrevo aqui é errado, perguntarei:

Errado para quem?

E principalmente:

Por quê?

3 comentários:

  1. Eu poderia dizer aqui que o certo é fazer a vontade de Deus e errar é ir contra ela. Entretanto, embora eu ache que esta frase está de todo correta, entra aí a questão de conhecer a vontade de Deus.
    Quem pode se apossar dela e dizer que sua avaliação é sempre e totalmente de acordo com a vontade de Deus? Aliás o Espírito Santo a cada dia nos surpreende - e que bom que seja assim - para que não sejamos arrogantes em dizer "eu sei toda a vontade de Deus".

    Acho que a sensibilidade da frase que você colocou começa a discernir um pouco a questão: "aquilo que faz o outro sofrer injustamente é errado, bem como aquilo que nos faz sofrer injustamente seja errado." Acho que essa frase explicita a própria idéia de amor (ágape).
    É evidente que não entram aí sofrimentos inerentes à condição de criatura (com seus limites), visto que não poderiam ser consideradas injustas ou justas dores como a do parto, como a da partida natural de alguém querido...
    Mas inúmeras outras poderiam ser evitadas, como a dor da exclusão que você citou sobre a mulher que se separou de um pastor. E, não muito diferente, foi a situação citada por você no post "do despertar da consciência" que, na época, não causou a dor da exclusão, mas causou talvez outra até pior: a dor da perda de um amor.

    As atitudes de acolhimento deveriam ser as preferenciais mas infelizmente não é o que vemos com freqüência. Aliás, era assim que agia Jesus. Ele só não acolheu quem declaradamente não queria este acolhimento: os fariseus e doutores da época. Mas até uns poucos destes que se deixaram tocar pela mensagem de amor de Jesus (Nicodemos, José de Arimatéia...) foram acolhidos. Pedro, após sua negação, foi acolhido por Jesus...

    Estamos no caminho de crescimento rumo a Deus e, neste caminho, errar é sempre uma possibilidade que evitamos, mas pertence ao "ser criatura". Que tal citarmos Saulo, que antes perseguia os Cristãos porque achava estar fazendo a vontade do Deus único e que, após três dias em que suas "pseudo-certezas" ruíram, é reconstruído como Paulo, o maior evangelizador dos chamados pagãos. Aliás, é esta idéia que abre o meu blog com uma árvore torta. Se quiser dar uma olhada o endereço é: http://anjobarro.blogspot.com , logo no início.

    Perdoe-me a extensão, é que eu me empolgo. rsrsrs...
    Um abraço
    Antônio

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  2. E lendo tuas palavras é fácil perceber como protestantes e católicos estão longe de Jesus.

    Acolhemos? Nós? Nós da Alemanha Cristã e nazista? Nós dos EUA Cristãos que dizimamos os indígenas? Nós da Europa Cristã que catequizamos e matamos os nativos da América Latina?

    Nós não acolhemos, mas seria tão bom se de fato o fizéssemos.

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  3. É verdade, mas como Cristãos, precisamos ter o olhar de Jesus - um olhar otimista (como certa vez observou muito bem nosso amigo Carlos em uma pregação/reflexão), que conseguia ver um possível renascimento atrás de cada ser humano que dele se aproximava, um otimismo sem ser fuga da realidade.

    Cito um exemplo da Igreja Católica, não porque os protestantes não possam ter atitudes na mesma linha, mas por ser algo mais próximo de mim e, portanto, do qual posso falar: hoje em dia existe, dentro da Pastoral Familiar da minha Paróquia, um grupo para trabalho com Casais de Segunda União, ou seja, casais formados por pessoas onde pelo menos uma delas se separou de seu cônjuge.

    Até algum tempo atrás, ouvir isso poderia ser considerado um absurdo. Entretanto, sem abrir mão da indissolubilidade do casamento (a Igreja não poderia, pois é uma afirmação de Jesus - Mt 19,9 ; Lc 16,18) que, portanto, impede que pessoas nesta condição possam receber a comunhão nas missas, podemos ler o seguinte texto no Catecismo da Igreja Católica §1651 (portanto, para toda a Igreja do mundo):

    “A respeito dos cristãos que vivem nesta situação e geralmente conservam a fé e desejam educar cristãmente seus filhos, os sacerdotes e toda a comunidade devem dar prova de uma solicitude atenta, a fim de não se considerarem separados da Igreja, pois, como batizados, podem e devem participar da vida da Igreja:
    Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a freqüentar o sacrifício da missa, a perseverar na oração, a dar sua contribuição às obras de caridade e às iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para assim implorar, dia a dia, a graça de Deus.”

    Em meio a tantos exemplos de exclusão, aparecem alguns remando "contra a maré" e gerando atitudes inclusivas. Cabe a nós, que desejamos estas atitudes inclusivas, estimular e até ajudar para que cresçam no meio em que vivemos.

    Há "uma luz no fim do túnel" (dito popular) e creio que podemos enxergar essa "verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem". (cf. Jo 1,9) Vamos em frente nesse túnel, sem perder de vista essa luz que é Jesus.

    Um abraço,
    Antônio

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