Para me redimir, escrevo uma historinha...
Olhava ao redor como se procurasse entre os rostos desatentos alguma esperança. Sentia o suor molhar o rosto, as mãos tremiam como se quisessem ignorar seus comandos, a respiração ficava curta e até difícil. Ataque de pânico foi o que leu na internet. Ansiedade foi o que viu num folheto em algum consultório médico. A verdade é que ele sabia muito bem que todas as sensações tinham apenas um motivo: sua incapacidade em aceitar uma igreja tão diferente daquela que conseguia enxergar na Bíblia.
Nas palavras do pastor ele não encontrava alento, de fato, nem sequer concordava com o que o pastor dizia. Considerava o pastor um dos principais responsáveis pelo estado frio da igreja. Durante os cultos, sentia que era o momento de se levantar e gritar a plenos pulmões o quanto todas as músicas e coreografias eram mecânicas e as mensagens secas e ocas. Mas não o fazia. Ele era apenas um jovem e seus 21 anos não davam forças às suas palavras como ao seu corpo. Não era bacharel em Teologia, cursava uma faculdade comum. Desprovido de qualquer chamado divino suas palavras pareceriam ainda mais fracas para a congregação. Esta buscava cada vez mais os feitos sobrenaturais e apenas o “mover” do espírito importava. A tradição era desprezada, característica dos tempos pós-modernos em que se encontrava. Desprezavam também os mais necessitados, apenas a elite da igreja gozava de direitos. Os grupos menores não importavam. Aos olhos da comunidade, a elite tinha o poder dado diretamente por Deus e tudo o que fazia era de acordo com a vontade divina.
Ele, pelo contrário, cogitava constantemente se havia uma ordem divinal para falar o que sentia e por fim a toda hipocrisia daquela elite. Lembrava os profetas bíblicos, Amós, Oséias, Isaías e desejava ser como eles. Falar contra as autoridades corruptas e frias, lembrar a aliança do Senhor ao povo, voltar às origens para buscar o sentido do presente e, assim, notar o amor ao próximo de volta aos corações.
Quando não agüentava mais e sentia que o momento de rebelar-se chegara, pensava em sua família, tão tradicional na igreja, o que eles pensariam? E a vergonha para seus pais? E o que as demais pessoas pensariam dele? Por levantar no meio de uma mensagem e bradar contra a direção da igreja, na certa o chamariam de louco e não de profeta. Não que ele quisesse este título, mas também não queria ser chamado de louco. Pensava no que perderia caso se levantasse contra a igreja. Perderia o apoio da família, perderia as amizades, perderia aquela igreja como local de reunião. Embora não concordasse com o que acontecia semanalmente ali, refletia que não estar ali poderia ser pior. Foi neste momento que percebeu que não era a experiência religiosa com a divindade que tinha mais importância para ele. Eram os costumes, eram as tradições que ele defendia, era a acomodação do lugar que o mantinha ainda ali.
Chorou. Pensou que tudo o que sentia não era forte o suficiente para tirá-lo da acomodação daquela comunidade. Se sublevar àquela igreja era ter a certeza de que havia falado o que precisava para sentir-se em paz. Mas isso indicava que agora ele não teria mais lugar para ficar. Ser excluído do meio daquele povo era ser jogado nu na escuridão. Não haveria uma luz fraca seguida por todos. Seria necessário buscar, sozinho, alguma chama e isso significava andar no escuro e no frio da solidão por um tempo que ele não sabia qual. O medo do desconhecido o atingiu e ele sentiu um frio no estômago.
No domingo seguinte, no meio da mensagem ele levantou-se.
Foi ao banheiro, molhou o rosto e respirou fundo. Olhou-se no espelho, olhou para o alto e disse:
― Senhor, afasta estes pensamentos da minha mente.
Voltou ao santuário e sentou-se, percebeu dois ou três olhares reprovadores por ter saído no meio do sermão, abaixou a cabeça e continuou fingindo prestar atenção no que o pastor dizia.
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