quarta-feira, 21 de abril de 2010

137. Dos folhetos evangélicos

E tudo começou sem qualquer intenção de se fazer algo sério.

Recebi um folheto, postei aqui no blog algumas considerações com relação ao que li naquele pedacinho de papel e conversei com minha amiga Iara. Pronto. Virou uma troca de e-mails e agora tenho quase a certeza de ter escolhido o tema de minha monografia.

Pretendo estudar a linguagem utilizada pelas diferentes denominações evangélicas e apresentar uma descrição da forma como as igrejas se enxergam, no que se baseiam, quais os textos utilizados no emprego de diversos termos e finalizar com uma análise da linguagem utilizada pelo meio evangélico e o discurso de guerra.

Seguindo tal planejamento agora sou um caçador de folhetos. Espero que me entreguem folhetos onde quer que eu vá. Infelizmente, muitas das pessoas imbuídas desta tarefa dita evangelística devem achar que já sou um caso salvo ou perdido completamente, pois entregam os papéis a 10 pessoas que vão à minha frente e quando estou próximo...viram para o lado!

Enfim, sou um caçador de folhetos agora e procuro em todo lugar. Passando pelas ruas do bairro do Estácio, vi um folheto no chão. Por mais cansado que estivesse, tive de parar e pegar o folheto do chão. Nele estava escrito:

"SEXTA-FEIRA DO MANTO SAGRADO"

07:00, 10:00, 15:00 e às 19:30

"Você que tem algum problema seja ele, na saúde, familiar, econômico, sentimental ou em qualquer área de sua vida. Venha nesta SEXTA-FEIRA para tocar no MANTO SAGRADO e verdadeiramente serás livres."

Por fim há o endereço da igreja. Não postarei aqui. Não preciso de problemas.

Manto sagrado? hum...interessante.

Não sei exatamente qual a passagem que utilizaram para validar a ideia de ter um manto sagrado numa igreja evangélica, afinal, não são os protestantes ainda mais iconoclastas que a Igreja Católica? Não são os evangélicos que afirmam não adorar qualquer pessoa ou artefato senão o próprio Cristo Deus?

O convite é para "tocar no manto". Bem, o caro leitor que é muito inteligente e sabe tudo de Bíblia lembrou que existe uma passagem com estas palavras. Qual é? Exatamente! Mateus 09.20! A mulher que sofria há 12 anos com o fluxo de sangue e que apenas toca na orla da roupa de Jesus e fica curada.

Fica muito mais fácil estudar o ritual agora que sabemos sua origem.

E uso a palavra ritual, por que de fato é um ritual e um ritual mágico e quase pagão.

O tal manto torna-se sagrado por alguma razão que não se sabe. Teria de estar presente numa das reuniões para saber se esta informação é compartilhada, mas não tive oportunidade para estar na tal igreja.

Tem-se um manto que é sagrado. Sua origem? Desconhecida. Sabe-se que é sagrado. Isso basta. Por ser sagrado tem poderes mágicos. Poderes que resolverão tudo na vida. Meus problemas estarão resolvidos se eu tocar no manto.

Mas que manto é este? É o sagrado ora bolas! E pare com esta argumentação sem sentido!

Mas de onde vem este manto?

Você não sabe? A mulher estava doente por 12 anos com um fluxo de sangue que não a deixava e ela tentou se aproximar de Jesus e...

Simples não é? Com uma narrativa fantástica (por ser fantasiosa) Não se responde uma questão essencial, mas se mantêm um ritual mágico.

Para que ninguém fique chateado pelo fato de chamar de ritual mágico a este ritual, esclareço que o manto é apresentado para aqueles que têm problemas de qualquer origem e há uma promessa de liberdade ao tocar o manto. Este é o ponto principal da reunião.

Ao contrário do que acontece na passagem bíblica, o manto não é apenas um detalhe. O manto desbanca a figura de Jesus. Escrevo aqui o texto para a questão ficar clara:


20

E eis que uma mulher que havia já doze anos padecia de um fluxo de sangue, chegando por detrás dele, tocou a orla de sua roupa;

21

Porque dizia consigo: Se eu tão-somente tocar a sua roupa, ficarei sã.

22

E Jesus, voltando-se, e vendo-a, disse: Tem ânimo, filha, a tua fé te salvou. E imediatamente a mulher ficou sã.


Pronto. Qual o papel que o manto de Jesus tem na paráfrase? É a roupa que ele usa a fonte da cura daquela mulher ou é a fé de que Jesus pode curá-la? A roupa é vista como extensão de Jesus, mas não como um artefato de poder para fora de Jesus. Sem Jesus, é só manto. Com Jesus é ele, é extensão dele.

Mas onde está Jesus agora? Não se pode mais tocar nele. Não se pode mais sentir sua carne aqui. Então é mais fácil usar um pedaço de roupa e atribuir a este pedaço alguns poderes mágicos. Se para isso for necessário usar o Jesus e a passagem bíblica, então que se use mesmo. O que importa não é o texto, mas sim que a igreja atual aja conforme o povo que esteve com Jesus.

OPA!!!

Então o texto não é importante. Não é por que uma simples análise do texto garante que ele não serve como base para sustentar a prática corrente. O texto é usado e lido como se quer para garantir que o processo de identificação com o povo antigo, visto como referencial para os cristãos atuais, permaneça.

As pessoas precisam se identificar com algo. E no caso dos cristãos, é necessário se identificar com o Israel de Deus justamente para ser o Israel de Deus, logo, o que está em jogo não é se o manto tem poderes ou se é um acessório sem importância no texto bíblico ou ainda se é feita uma exegese correta do texto. O que está em jogo é a própria identidade de um povo, no caso, de uma igreja.

Se é necessário que haja um discurso que não se preocupa com o texto bíblico, que faz promessas infundadas, que adota práticas ditas pagãs, que usa uma inversão de foco para garantir a identidade de um grupo, então pergunto: Que tipo de identidade é essa?

Esse é um problema para a própria igreja, mas que não se resolve com um toque no manto.

2 comentários:

  1. Achei muito interessante sua análise. O que era apenas detalhe (diria eu superficial) dentro de um contexto muito maior e profundo da passagem bíblica, tornou-se agora o principal, a despeito da real fonte da cura: A fé em Jesus.

    Neste caso, acreditando que não haja má fé por parte dos dirigentes (ou de um deles) da referida Igreja, eu atribuiria à superficialidade que hoje o mundo se habituou a ter. Temos acesso a uma infinidade de assuntos quase instantaneamente. Todas as notícias a um simples clique de mouse, a um botão do controle remoto... Mas só se conhece a casca, a superficialidade, não se aprofunda.

    Quem busca um pouco de aprofundamento, de análise crítica, de exegese... não se contenta como superficial, precisa "avançar para águas mais profundas" e, muitas vezes, é taxado como o encrenqueiro, o rebelde, um problema para o regime já estabelecido.

    Aliás, conheço um desses "encrenqueiros" que foi morto por volta do ano 33 em Jerusalém e uma das questões é que ele violava o sábado realizando curas...

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  2. Este encrenqueiro de morto em 33 é o melhor exemplo de que falar e fazer demais resulta em condenação e morte.

    Por isso eu não falo. Escrevo. Está aqui para quem quiser. Quem não quiser que vá cuidar da própria vida e me deixe escrever em paz.

    Quando até o escrever for proibido...aí...não sei o que farei...

    E eu quero mesmo acreditar que não há interesses terríveis por conta dos líderes de tais igrejas.

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Obrigado pelo comentário, seja crítica, elogio ou sugestão. O que importa são suas palavras.

Então é aqui?

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