quarta-feira, 5 de agosto de 2009

30. Do pensamento livre.

Conversando com uma amiga, falávamos a respeito do corpo humano e das possíveis origens do encobrimento da sexualidade.

A pergunta principal era: “quando o corpo nu passou a ser motivo de vergonha?” Antes que o leitor (se é que há algum) pense que minha amiga e eu somos naturistas, aviso que não somos e que o interesse era puramente teológico.

O corpo nu é o mais natural possível. Chegamos nus ao mundo e a mãe precisa se desnudar, perante outra pessoa muitas vezes, para que nasçamos. Por que então escondemos nossos corpos?

Acredito e, futuras pesquisas revelarão se estou certo ou errado, que a nudez passou a ser encarada como mal. Adão e Eva estavam nus e quando seus olhos foram abertos temeram por estarem nus. (Gênesis 03.06-10). Mas, meu querido Adão, porque temer? Acaso tu se esqueceste de quem te fez? Se Deus quisesse que tu estivesses vestido com folhas de figueira (v.7) não as teria dado logo de início?

O autor ou autores desta passagem esquecem esta pequena contradição e, sem perder tempo, colocam (apenas imaginam, pois não têm poder para tanto) as mãos de Deus para trabalharem a favor de suas composturas. Logo, o ser que cria um mundo costura roupas para o primeiro casal (v.21).

Não consigo acreditar que são as mãos de Deus que costuram as roupas. São as mãos do autor do texto que costuram, mas não uma roupa e sim a história, de tal modo que ao coser cada pedaço da narrativa, tenta convencer-nos a costurar as nossas roupas, afinal, se Deus fez então devemos fazer e se fez para que usássemos então precisamos usar!

Não consigo acreditar também que este capítulo de Gênesis trate apenas de nudez e muito menos que ela começa ou termina com Adão e Eva, personagens que gosto embora não da maneira dos conservadores e muito menos do modo dos fundamentalistas, mas o texto serve ao propósito aqui.

Enquanto Adão, coitado, teme e muitos o seguem temendo e recriminando o corpo nu, uns poucos enxergam a nudez de forma diferente e, se não com naturalidade, então com uma mente aberta o suficiente para emitir uma opinião que faz todo o sentido.

Com prazer, destaco este trecho do maravilhoso texto do padre Claude D' Abbeville:

"Pensam muitos ser coisa detestável ver este povo nu, e ser perigoso o viver entre índias, mulheres e raparigas totalmente nuas, como elas andam, por não se poder prevenir que o homem se despenhe no precipício do pecado.

É certo ser tal costume mui disforme, desonesto e brutal, porém o perigo é menor aparentemente, e sem comparação muito menos à vista dos atrativos voluptuosos das mulheres públicas de França.

Na verdade são as índias modestas e recolhidas em sua nudez, pois nelas não se notam movimentos, gestos, palavras, ação ou coisa alguma ofensiva à vista de quem as observa. Cuidam muito na honestidade do matrimônio e não são capazes de dar algum escândalo público.

Junte-se a isto a disformidade ordinária, que não tem encantos, a própria nudez que não é tão perigosa e nem tão cheia de atrativos, como os desenfreados requebros e as novas invenções das mulheres francesas, que causam mais pecados mortais e prejudicam mais a alma, do que essas mulheres e raparigas índias com sua nudez brutal e aborrecida.".

Percebem como o padre consegue reverter a culpabilidade do pecado? Temos um padre que diz que a nudez não é o problema e isto em 1612!!

Sei que aqueles que lerem o texto completo perceberão que o religioso escreve algumas coisas contra os índios, mas neste trecho ele foi fenomenal, demonstrando um pensamento livre bem diferente de sua época.

É claro que se pode argumentar em contrário e dizer que ele apenas combatia a vulgaridade de algumas mulheres francesas, mas o que está escrito é evidente: a nudez não é o problema principal e nem sequer oferece riscos como os costumes das cortes civilizadas.

Eu gostei!

Para ler um trecho maior: Jangada Brasil.

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