quinta-feira, 15 de outubro de 2009

086. Missão Transformadora

Uma matéria que não me agrada neste 4º período na Colina é Fundamentos da Missão. Não tenho problemas com a professora, até porque é a primeira vez que a vejo, mas tenho dificuldades em aceitar alguns conceitos importantes na disciplina.

As dificuldades são novas e são minhas. Ter dificuldades em aceitar um conteúdo é comum numa faculdade séria de Teologia. Aceitar não implica em absorver um conteúdo sem antes realizar a crítica. Sem crítica não há Teologia, pode haver bate-papo e até dogmatismo, mas não Teologia.

A maioria dos alunos que chegam a uma sala de aula do curso de Teologia já traz anos de Escola Bíblica Dominical na mochila, mas ao contrário do que possa parecer, isto é péssimo!

Os conceitos que cada aluno traz são entendidos pela maioria como verdades absolutas e assim, sujeitá-los à crítica necessária é uma tarefa árdua que requer esforço e boa vontade do aluno que deve permitir-se sofrer. O “deve permitir-se sofrer” só é obrigatório se a intenção do aluno no curso é percorrer os caminhos da Teologia. Se o objetivo do aluno é conseguir um diploma então não há um “deve”, só que não me venha dizer estuda Teologia.

Esta questão do “deve” ou não é mais complexa do que estas parcas linhas deixam transparecer. Não acredito mais que a compreensão de um conceito se dê por puro milagre, caracterizando um não-entender que se torna entendimento-sem compreensão. A compreensão já é emergência (Morin) da hermenêutica que já é a interpretação. Sem os meios necessários para a realização da arte da hermenêutica, como há entendimento? E se todos fazem hermenêutica o tempo todo, então já temos os meios necessários, o que não implica que tenhamos a totalidade dos dados. Meios e dados são coisas diferentes.

Meios são os sentidos, o aparelho biológico, o aparelho espiritual (Morin) e etc.

Dados são as informações que estão dispostas no mundo.

Sendo assim, ser tomado pela iluminação que permitirá o entendimento de algo é ignorar o funcionamento do ser humano enquanto ser vivo. Parece radical, mas se realmente acreditarmos que alguém nos sopra no ouvido uma visão que é totalmente independente do homem enquanto ser vivo que age na história, então se ignora o elemento humano.

Este é o meu problema com a matéria Fundamentos da Missão. Os autores escolhidos para a matéria, um em especial, David J. Bosch tenta transmitir conceitos que não condizem com a análise dos dados. Se eu tivesse lido o livro “Missão Transformadora “ na época em que ainda acreditava criticar era uma tarefa desnecessária ao ser humano, então concordaria com tudo que li nas 64 páginas lidas até agora.

Concordaria justamente porque são os velhos conceitos de que a Igreja tem uma missão no planeta e que os cristãos devem levar esta mensagem imediatamente. Não concordo mais.

Confesso que Deus, Jesus, Igreja, Missão, Céu e Inferno (entre tantos outros conceitos) estão muito confusos em minha mente. Estou com meus meios analisando os dados e ainda não cheguei a uma conclusão. Só sei que não concordo com uma leitura que não seja historiográfica da Bíblia. Sou totalmente a favor do Método Histórico Crítico e portanto da diacronia e não posso mais ler um texto bíblico e entendê-lo como algo que deve ser aplicado às circunstâncias da vida atual, simplesmente por que o texto não foi escrito para nós! (Pedras voarão, mas quem não tiver pecado que atire a primeira).

Um exemplo para facilitar a compreensão:

4. Os discípulos dos rabinos eram apenas seus alunos, nada mais. Os discípulos de Jesus são também seus servidores (douloi), algo inteiramente estranho ao judaísmo tardio (Rengstorf 1967:448). Eles não se limitam a curvar-se ante seu conhecimento maior; obedecem a ele. Jesus não é apenas seu mestre, mas também seu Senhor. Ele lhes diz: “O discípulo não está acima de seu mestre, nem o servo acima de seu senhor” (Mt 10.24)”. (BOSCH, 2002,p.60).

O leitor seria capaz de me informar qual a relação entre o texto e o versículo citado? No texto bíblico Jesus não está se referindo a ele ou aos seus discípulos, então Bosch já está errado, mas vamos usar a frase errada mesmo (para quê?). O versículo utilizado aqui para atribuir certeza e poder à afirmação do autor realmente serve ao seu propósito? Não. O versículo contraria a declaração anterior! O versículo coloca o servo e senhor em igualdade, mas o enunciado afirma que os discípulos de Jesus não se limitavam a curvarem-se diante do mestre, mas também o obedeciam, fazendo de Jesus mais do que um mestre, um Senhor. Não há igualdade, então não há razão do versículo estar ali. É incrível.

Em determinado momento o autor parece ser bem honesto quando afirma acerca dos possíveis “profetas de Q”:

Se, no que se segue, refiro-me a eles (juntamente com Theissen, Schottroff e outras) como um grupo distinto e identificável de pregadores, faço isso como um espécie de extrapolação imaginativa a partir da tradição e não como uma tentativa de caráter historiográfico. Tal abordagem poderá ajudar-nos a avaliar o caráter singular desse segmento da tradição protocristã.” (BOSCH, 2002, p.621).

Percebeu a “extrapolação imaginativa”? Mas desta maneira tudo é possível! Se imaginar é o que fazemos para facilitar a compreensão, então um abraço para a compreensão do sentido que o autor/autores/autora/autoras do texto bíblico teve. Com a extrapolação o que há é intentio-lectoris e o texto pode assumir o sentido que o leitor quiser, até aquele que não está no texto. (este é um dos preferidos dos líderes religiosos).

Questionei a professora que ministra a disciplina acerca disso.

A resposta foi interessante. Disse ela que:

A leitura que a Missiologia faz da Bíblia não é historiográfica. Mas isso não traz problemas, pois a missão é a ferramenta que se usa quando a igreja está constituída.”.

Doeu em mim.

A ferramenta que se usa quando a Igreja está pronta é uma leitura não diacrônica da Bíblia e tudo bem?

É por esta e outras que fico feliz de ler a Bíblia e o mundo sem ninguém soprando no meu ouvido a interpretação que julga correta.

2 comentários:

  1. Olha, nem tenho problema com a preferência por uma leitura não diacrônica da Bíblia, desde que seja honesta. O que não me desce pela goela é que o Bosch assume na nota que está fazendo uma "extrapolação imaginativa a partir da tradição", e depois gasta páginas e páginas baseando sua argumentação nas crenças, atitudes e até sentimentos dos tais "profetas de Q"... Pra que isso? Não era mais fácil usar diretamente os textos bíblicos, sem recorrer aos pregadores hipotéticos de uma fonte hipotética?

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  2. Concordo que seria muito mais fácil para Bosch usar os "textos bíblicos sem recorrer aos pregadores hipotéticos", mas é que ele precisa gerar a identificação dos atuais e futuros missionários com aqueles que pregaram antes do Cristianismo hierárquico e isto ele não consegue com os textos.

    E como seria uma leitura não diacrônica da Bíblia, mas feita de maneira honesta?

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