quinta-feira, 15 de outubro de 2009

084. Tenho orgulho de ser nordestino II

Há quem diga (eu) que nas veias de um nordestino não circula sangue. Corre rapadura, farinha e fuba.


Dos gêneros nordestinos, o "Repente" muitas vezes chamado de "Embolada", embora sejam parecidos, repente se faz com violão e embolada com pandeiro, é um dos mais criativos e interessantes. Os repentistas ou emboladores ficam nas ruas com os violões ou pandeiros e versam a respeito do cotidiano. São tiradas rimas de improviso, sejam elas a tratar bem ou mal do time de futebol, da rua, da política, dos políticos e até da mãe do outro repentista/embolador que, naquele momento do repente/embolada, é apenas um adversário.


Conheci o Repente da famosa Literatura de Cordel. O que começou como manifestação oral passou a manifestação escrita (e não é sempre assim?) e então gênero literário que expressa a cultura popular.


O nome "Cordel" provavelmente deriva do fato dos livretos serem expostos em barbantes.



O primeiro livreto que li foi "A peleja do cego Aderaldo com Zé Pretinho", que marcou minha imaginação e inaugurou o gosto pelo repente. Graças à internet, tenho hoje a possibilidade de publicar aqui uma obra que não tenho em mãos há mais de 20 anos!! (Internet é coisa ruim? Por favor...). Obs. Não é um repente racista! Se o leitor (se é que há algum) não tenha paciência para ler tudo, deixo então um vídeo de 5:29 com uma dupla de emboladores que é a mais famosa do Brasil. Caju e Castanha cantando "Futebol no Inferno" (HILÁRIO).

A PELEJA DO CEGO ADERALDO COM ZÉ PRETINHO

Autor: Fimino Teixeira do Amaral

Apreciem meus leitores
Uma forte discussão
que tive com Zé Pretinho
Um cantador do sertão
O qual no tanger do verso
Vencia qualquer questão

Um dia determinei
A sair do Quixadá
Uma das belas cidades
Do estado do Ceará
Fui até ao Piauí
Ver os cantores de lá

Hospedei-me em Pimenteira
Depois em Alagoinha
Cantei em Campo Maior
No Angico e na Baixinha
De lá tive um convite
Pra cantar na Varzinha

Quando cheguei na Varzinha
Foi de manhã bem cedinho
Então o dono da casa
Me perguntou sem carinho:
Cego, você não tem medo
Da fama de Zé Pretinho?

Eu lhe disse: Não senhor
Mas da verdade eu não zombo
Mande chamar esse preto
Que eu quero dar-lhe um tombo
Ele vindo um de nós dois
Hoje há de arder o lombo

O dono da casa disse:
Zé Preto pelo comum
Dá em dez ou vinte cegos
Quanto mais sendo só um;
Mandou ao Macumanzeiro
Chamar José do Tucum

Chamou um dos filhos e disse
Meu filho, você vá já
Dizer a José Pretinho
Que desculpe eu não ir lá
E ele como sem falta
À noite venha por cá

Em casa do tal Pretinho
Foi chegando o portador
Foi dizendo: Lá em casa
Tem um cego cantador
E meu pai manda dizer
Que vá tirar-lhe o calor

Zé Pretinho respondeu:
- Bom amigo é quem avisa
Menino, dizei ao cego
Que vá tirando a camisa
Mande benzer logo o lombo
Que eu vou dar-lhe uma pisa

Tudo zombava de mim
Eu ainda não sabia
Que o tal José Pretinho
Vinha para a cantoria
Às cinco horas da tarde
Chegou a cavalaria

O preto vinha na frente
Todo vestido de branco
Seu cavalo encapotado
Com um passo muito franco
Riscaram de uma só vez
Todos no primeiro arranco

Saudaram o dono da casa
Todos com muita alegria
O velho bem satisfeito
Folgava alegre e sorria
Vou dar o nome do povo
Que veio pra cantoria

Vieram o capitão Duda
Tonheiro Pedro Galvão
Augusto Antônio Feitosa
Francisco Manuel Simão
Senhor José Carpinteiro
Francisco e Pedro Aragão

O José da Cabeceira
E seu Manuel Casado
Chico Lopes, Pedro Rosa
E Manuel Bronzeado
Antônio Lopes de Aquino
E um tal de Pé Furado

José Antônio de Andrade
Samuel e Jeremias
Senhor Manuel Tomás
Manduca João de Ananias
E veio o vigário velho
venta de gato

Disse mais: eu quero ver
Pretinho espalhar os pés
E para os dois cantores
Tirei setenta mil réis
Mas vou inteirar oitenta
Da minha parte dou dez

Me disse o capitão Duda
– Cego, você não estranha
Este dinheiro do prato
Eu vou lhe dizer quem ganha
Pertence ao vencedor
Nada leva quem apanha

Nisto as moças disseram:
Já tem oitenta mil réis
Porque o capitão Duda
Da parte dele deu dez
Se encostaram a Zé Pretinho
E botaram mais três anéis

Então disse Zé Pretinho:
De perder não tenho medo
Este cego apanha logo
Falo sem pedir segredo
Tendo isto como certo
Botou os anéis no dedo

Afinemos os intrumentos
Entremos em discussão
O meu guia disse a mim:
O negro parece o cão
Tenha cuidado com ele
Quando entrar em questão

Eu lhe disse: seu José
Sei que o senhor tem ciência
Parece que és dotado
Da Divina Providência
Vamos saudar o povo
Com a justa excelência

P- Sai daí, cego amarelo
Cor de ouro de toucinho
Um cego da tua forma
Chama-se abusa vizinho
Aonde eu botar os pés
Cego não bota o toucinho

C- Já vi que seu Zé Pretinho
É um homem sem ação
Como se maltrata outro
Sem haver alteração
Eu pensava que o senhor
Possuísse educação

P- Esse cego bruto hoje
Apanha que fica roxo
Cara de pão de cruzado
Testa de carneiro mocho
Cego, tu és um bichinho
Que quando come vira o cocho

C- Seu José, o seu cantar
Merece ricos fulgores
Merece ganhar na sala
Rosas e trovas de amores
Mais tarde as moças lhe dão
Bonitas palmas de flores

P- Cego, creio que tu és
Da raça do sapo sunga
Cego não adora a Deus
O Deus de cego é
esturra
Pedindo socorro
Sai dizendo: eu morro
Meus Deus que fadiga
Por uma intriga
Eu de medo corro…

C- Se eu der um tapa
Num negro de fama
Ele come lama
Dizendo que é papa
Eu rompo-lhe o mapa
Lhe rasgo de espora
O negro hoje chora
Com febre e com íngua
Eu deixo-lhe a língua
Com um palmo de fora

P- No sertão eu peguei
Um cego malcriado
Danei-lhe o machado
Caiu eu sangrei
O couro eu tirei
Em regra de escala
Espichei numa sala
Puxei para um beco
E depois dele seco
Fiz mais de uma malha

C- Negro és
engolideira
Peça a noite inteira
Que eu não lhe abreque
Mas este moleque
Hoje dá pinote
Boca de
boieiro
Tu queres dinheiro
Eu dou-te chicote

P- Cante mais moderno
Perfeito e bonito
Como tenho escrito
Cá no meu caderno
Sou seu subalterno
Embora estranho
Creio que apanho
E não dou um caldo
Te peço, Aderaldo
Reparta do ganho

C- Negro é raiz
Que apodreceu
Casco de judeu
Moleque infeliz
Vai pra teu país
Senão eu te surro
Dou-te até de murro
Tiro-te o
giba
Cara de borrego
No bico de um carcará
Quem a cara cara compra
Caca caca Cacará

Houve um trovão de risadas
Pelo verso do Pretinho
O capitão Duda disse:
Arrede, pra lá negrinho
Vai descansar teu juízo
O cego canta sozinho

Ficou vaiado o Pretinho
Aí eu lhe disse: me ouça
José, quem canta comigo
Pega devagar na louça
Agora o amigo entregue
O anel de cada moça

Desculpe José Pretinho
Se não cantei a seu gosto
Negro não tem pé, tem gancho
Não tem cara tem é rosto
Negro na sala de branco
Só serve pra dar desgosto

Quando eu fiz estes versos
Com a minha rabequinha
Procurei o negro na sala
Já estava na cozinha
De volta queria entrar
Na porta da
camarinha

Fontes: Youtube e Jangada Brasil .

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